Professor Ariel

"Olhos azuis"
Ariel é guiado por Nyk para o auditório, onde irá falar algumas palavras de incentivo para os alunos que irão começar o cursinho preparatório para o vestibular.

Ariel adentra o auditório, para por alguns momentos, olha furtivamente para a construção e depois olha com atenção para os alunos, um a um.

Tem um banquinho como aqueles de show de stand up no palco.

"Estou com cara de palhaço pela recepção".

Ariel chuta o banquinho, derrubando-o, causando uma comoção no público jovem _ e primeira ótima impressão diga-se. Ele se senta no palco de pernas cruzadas, segura o microfone oferecido por Nyk, que acabara de levantar o banquinho _ confusa do porquê ele fizera aquilo.

Ariel começa seu discurso.

" Eu já nem sei quantos anos tenho, no meu documento deve ter a data de nascimento, mas eu não faço questão de me lembrar de que dia é. Minha mãe e irmã sabem o dia do meu aniversário, se alguém se interessar, perguntem a elas.

Nasci na cidade grande, estudei em colegio pago e ainda me pergunto o porquê de minha mãe ter gasto tanto dinheiro à toa sendo que tenho amigos bem mais sabidos que eu, que estudaram de graça.

Ela sempre dizia que eu era ingrato e não era merecedor de todo o zelo que recebia.

Eu não a compreendia quando dizia tais coisas. O que ela queria?! Que eu lhe levasse café na cama e passasse sua roupa? Eu, um desengonçado em matéria de deveres domésticos ?! Ora ora.

Voltando a ordem das coisas... depois de acabar o ensino médio, minha mãe me disse que eu deveria ficar um ano e tanto estudando para ir bem no vestibular e entrar em alguma faculdade pública. Porém, eu já naquela altura entendia das coisas e não estava tão certo se era isso que eu desejava.

Eu a persuadi que deveria passar um tempo descansando dos estudos, para que eu não me estafasse. Ela, pobrezinha, concordou. Não queria estudar para vestibular porcaria nenhuma. "

Ariel cessa o monólogo, sorri sarcástico, com a mão direita gesticula para Nyk chamando-a para próximo dele. Com cara de quem não está entendendo nada ela se aproxima e Ariel aproxima seu rosto do dela, e beija-a no rosto.

"Pode voltar para lá, eu vou prosseguir".

Nyk volta, confusa e timida pela situação estranha.

"A ideia de persuadir minha mãe veio após um dia estranho. Eu acordei, ouvi uma voz que chamava meu nome e fui em direção a ela, completamente sonolento. Quando dei por mim, estava de pijama próximo do portão e uma amiga sorridente estava diante de mim.

'Com sono El?' Ela dizia, divertindo-se com meu estado. Odeio ver qualquer ser vivo nos primeiros 17 minutos após meu despertar. Ela sabia e não se importava.

Não era minha namorada, nunca foi e nós chegamos a conclusão que nunca seríamos nada mais do que bons amigos. Tem funcionado há mais de 30 anos.

Bom, ela pediu que eu me trocasse e fossemos dar um "rolê" em sua motinha. Na época ela tinha 15 anos e aproveitava o fato de parecer mais velha para burlar o código nacional de trânsito, e todos os códigos possíveis.

Observando-a pelos olhos da sociedade, ela sempre fora uma pessoa torta, imoral e sem respeito pela leis. Fato que ela nunca discordou, tampouco concordava. Só que ninguém nunca pode dizer que fosse incoerente. Sua posição sobre a vida era bem clara: 'Desde que eu não machuque ninguém, farei o que quiser'.

Eu sempre a olhei de baixo, a via como uma rainha que tudo podia e a quem sempre fui leal. Não jovens, isto não era amor, não o amor que vocês imaginam, era mais, era admiração pura e sincera.

Naquele rolê ela nos levou para a praça da sombras, que ficava num bairro afastado. O nome oficial era praça da luz, mas como a população não cuidava, nem a prefeitura, ela ficou velha, sem iluminação. Era o ponto ideal para os narcotraficantes e seus clientes dos olhos de fogo.

Durante o dia morava lá um homem que devia ter seus 50 e tantos anos, ou menos, já que sua imundície não permitia uma melhor avaliação.

Apesar da feição embrutecida e cavernosa, este homem tinha os olhos azuis-tristes.

Era um dos cenários mais deploráveis, decorado com duas jóias azuis.

Ela cumprimentou o homem acenando com a cabeça e eu fiz o mesmo, por educação. Sentamos num banco distante o suficiente para que o homem não pudesse nos ouvir falar.

'Aquele homem El, é tio de uma professora minha, a vida não tem sido muito legal para ele.'

Eu olhei para aquele homem por alguns momentos, tentando imaginar como ele chegara ali. Parece improvável que alguém vivesse em tal estado por escolha própria ou com algum deleite, que de fato, ele não demonstrava. Eu olhei para minha amiga, com um olhar de quem queria entender, ela captou.


'Pelo que ela me disse, ele era muito estudioso, trabalhador, respeitador das leis e dos costumes da religião dele. Havia, porém, um problema. Ele nada mais era do que um reflexo das expectativas dos pais, familiares, amigos, namoradas, esposa e filhos. Ele não tinha luz própria, ele fazia aquilo que esperavam que ele fizesse. Era o tal cara pefeito, com dentes brancos e tudo.'

Fiquei confuso, espantado, atônito, estupefato, espavorido, pasmado... assombrado. Como ele fora parar ali?

'Em algum momento da vida dele, ele errou. Fez uma escolha que ele achou ser certa, porém todos ao redor não. Este simples floco, desceu a montanha e transformou-se em uma gigante bola de neve. Ele entendeu do que toda sua vida fora feita. De lá para cá, foi um pulo.'

Um pulo jovens, um pulo."

Ariel levanta-se, olha gentilmente para Nyk e dá um passo em direção a saída. Um aluna levanta-se rapidamente.

_ Hey! Espere um pouco!

Ariel cessa o caminhar e vira-se para a moça, "sim?".

_ Porque veio até aqui falar estas coisas? O que isso tem a ver conosco?

"Eu não fazia idéia do que falar para vocês até que olhei nos olhos de cada um. Vocês podem deixar que vossos pais os aconselhem, isto, aliás, é recomendável. Entretanto, não podem deixar que eles digam a vocês o que é mais importante e qual o melhor caminho. Esta decisão, é de vocês.

Algo mais?"

_ Você não acabou de contar sua história.

"Aha, não precisa, o importante era deixar minha mensagem.

Mas se é importante para você, eu fiz o vestibular dois anos depois, sem cursinho, passei na faculdade, me formei, não me arrependi.

Hoje sou professor."

Ariel deixa o palco e caminha em direção da máquina de café...

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