“Parabéns para você, tudo de bom, muita paz, saúde e
sucesso”.
Estas são as palavras de incentivo que ouvimos _ ou lemos
pelo facebook_ de algumas pessoas quando completamos mais um ano de vida,
trocamos de emprego, saímos das drogas, acabamos a faculdade etcetera.
É disso que eu estou falando /o/ |
Dicionário Globo
SUCESSO, s. m.
Aquilo que sucede; fato; caso; acontecimento; resultado; conclusão; parto; bom
êxito; resultado feliz.
Dicionário Oxford:
SUCCESS, noun. The accomplishment of an aim or purpose; archaic the
good or bad outcome of an undertaking:
Gates: Um dos maiores sortudos dos últimos anos. |
A palavra tem o sentido de um acontecimento bom ou ruim, mas
com o passar do tempo ela também virou sinônimo de conquista, de obtenção de
algo bom, alcance de alguma meta. Uma pessoa bem sucedida (ou de sucesso) é
alguém que está por cima, que atingiu suas metas. A ideia de uma carreira de
sucesso normalmente está vinculada com altos cargos, bons salários e expertise
empresarial. Mas esta ideia pode estar vinculada também a um atleta que é um
dos melhores na sua área ganhando títulos, medalhas, troféus, virando capa de
revista e notícia em todos os jornais do mundo.
A palavra sucesso também está nas pequenas coisas da vida: a
primeira palavra de uma criança, a primeira namorada, a primeira nota dez (ou a
primeira nota azul), um emprego, um amigo, um campeonato de bocha, uma partida
de tekken contra o irmão mais velho nerd.
Muito se fala por aí sobre esse tal de sucesso, e das
besteiras que se diz, uma delas é muito grossa, absurdamente absurda,
estupidamente estúpida (!):
“Só depende de você”.
Mas e o acaso? E os momentos da vida que não estão em nossas
mãos? As influências externas ou as consequências imprevisíveis de pequenos
eventos cotidianos?
O sucesso em algo pode vir do seu esforço? Pode. Pode vir de
uma situação em que você nem estava tentando atingir alguma meta? Pode também.
Então porque essa obsessão pelo sucesso?
Nós seres humanos temos uma necessidade intrínseca de nos
sentirmos no controle dos processos da vida, por isso temos uma grande
dificuldade de entender como funciona a aleatoriedade. Tentamos enxergar padrão
em tudo o que existe, e mesmo pequenas amostras de sucesso, parece que são
grandes constatações que aquilo de fato funciona... só que nem sempre funciona.
História: O motorista e a Primeira Guerra Mundial
Domingo último estava
numa pizzaria com minha namorada e a filha dela (que estava se lambuzando na
pizza), quando contei para que o responsável pela primeira guerra mundial foi
um motorista.
Explico.
O carro de Franz Ferdinand |
Em junho de 1914, o arquiduque do Império Austro-Húngaro
Franz Ferdinand decidiu, mesmo que sendo avisado do perigo, ir a Sarajevo, na
Sérvia. Lá chegando na rua ao lado da ponte, jogaram uma bomba que acertou a parte traseira do carro que
acabou explodindo, deixou cerca de 20 pessoas feridas, porém o arquiduque
nada sofreu.
Chegando à prefeitura, o prefeito o recebeu e logo de cara
queria fazer um discurso, e o arquiduque o interceptou: “Sr Prefeito, eu vim
aqui para uma visita, e sou recebido com bombas?! Isto é um absurdo!”.
Por fim ele esperou o prefeito discursar. Depois disso _ ao
invés de irem embora da cidade _ o arquiduque quis ir até o hospital para
visitar as vítimas da explosão. Sério.
E eles foram em direção ao hospital.
Só que no caminho, o motorista entrou em uma rua errada, e
ao perceber seu erro, ia fazer a manobra para retornar para o caminho certo.
A ponte de Sararejevo |
Mas, contudo, porém, todavia, o rapazinho Gavrilo Princip,
um dos estudantes da juventude Bósnia que tramara a morte de Franz, estava numa
lanchonete _ comendo um x-bacon duplo, com adicional de mais bacon _ e viu o
carro onde Franz estava. Enquanto o motorista fazia a manobra, deu tempo de ele
tomar distância, dar dois tiros e matar o arquiduque e sua esposa Sophie.
Depois da morte dele, o império Austro-Húngaro declara
guerra contra a Sérvia; a Sérvia pede ajuda da Rússia, a Alemanha ajuda a
Áustria-Hungria, a França se alia a Rússia, e a Inglaterra que não ia querer
ficar de fora, acaba entrando na brincadeira também. Com a saída da Rússia em
1917, os EUA entram.
Aqui no blog -> A Primeira Guerra Mundial
Moral da história: se o motorista não errasse a rua, Franz
não teria morrido, e a guerra não teria começado =D
...e caos.
Tu pode tentar procurar um padrão para as linhas, mas saiba que eu as fiz de forma aleatória, com os olhos fechados. |
Claro que minha conclusão não passa de uma grande ironia, mas serve para ilustrar como eventos aparentemente desgarrados, pequenos, cotidianos, banais, acabam gerando eventos muito maiores e incontroláveis.
Do trecho acima, podemos refletir sobre a armadilha da história. Toda e qualquer história que se conta no mundo, deve ser vista com um pouco de desconfiança. É muito provável que existam distorções que vem desde a fonte mais próxima do acontecimento, até as fontes mais distantes, ou seja, é bem igual à brincadeira do telefone sem fio, quanto mais longe da fonte original, maior a distorção do conto.
Outra armadilha da história é a ilusão de que os fatos
narrados eram inevitáveis. Eu disse ironicamente que o motorista foi o
responsável pela primeira guerra mundial, só que é um erro dizer que exista um
único responsável por toda uma cadeia de eventos, ainda mais sabendo que muitos destes
eventos são aleatórios.
E é muito aquilo que costumamos fazer no dia a dia: achar um
único responsável por toda a desgraça que assola a nossa vida, e rogar sobre
este todo tipo de praga deste planeta e de outras galáxias.
Não estou dizendo que pelo fato de a vida ser um caos, não
existam responsáveis ou que nada possa ser previsto. Não é isso. A questão é
sabermos analisar cada questão e identificar nestas, se são aleatórias ou se
são esquemas montados por nós mesmos.
A falácia de tudo isso é achar que tudo depende
exclusivamente de você, ter a ilusão que todos os seus esforços serão
recompensados e que querer é poder.
Veja o universo com uma grande máquina, e cada elemento que
existe como uma parte desta máquina. A máquina é tão complexa que mesmo peças
quebradas não param seu funcionamento, estas peças rapidamente são anuladas,
substituídas, ignoradas ou forçadas a participar do conjunto independentemente
de sua vontade.
Então mesmo que escolha pela inanição, pela inércia, o acaso
vai tratar de influenciar sua vida de alguma forma, seja em forma de uma grande
amiga, ou seja, na forma de um meteorito que vai cair sob o seu telhado.
Aliás, a probabilidade de que cada um de nós nasça é incalculável
_ mas tem doido por aí que a calcula.
Eu não acredito nestas paradas de religião ou deuses, mas
aceito aqueles que dizem, num sentido poético, e não factual, que a vida é algo
milagroso _ de tão improvável que é.
Se meu avô paterno não tivesse vindo de Coimbra para o
Olinda e conhecido minha vó, meu pai não teria nascido. Se minha mãe não
tivesse saído de Santana do Cariri - CE e meu pai de Olinda – PE e tivessem de
alguma forma aleatória se conhecido em São Paulo – SP, eu não teria nascido.
Ainda: eu poderia não ter nascido nem assim, pois tive a sorte de ganhar a
corrida dos demais espermatozoides, depois tive a sorte que minha mãe quis me
ter e a sorte que a gravidez dela foi saudável.
E assim como eu, cada um de vocês tem suas histórias
aleatórias _ quanta coisa teve que acontecer no mundo para que você estivesse
aqui e agora lendo estas palavras?
Pois é...
A história da nossa vida é o caos!
0 Comentários