Além dos muros do Estado


O Brasil, teoricamente, é um Estado democrático de direito, ou seja, o povo se submete ao poder do Estado e o próprio Estado encontra na lei os seus limites, diferente de uma monarquia onde uma pessoa, rei ou rainha, detém o poder.

A Constituição Federal é a lei fundamental que normatiza os poderes do Estado.  É onde diz até onde vão tais poderes, quais seus direitos e suas obrigações com o povo e com os demais poderes instituídos.

Um pouco mais de 3 anos após o fim da ditadura militar, a sétima constituição brasileira foi promulgada em 5 de outubro de 1988, pela Assembleia Constituinte formada por 487 deputados federais e 72 senadores. 

A chamada Constituição Cidadã _ lindo nome, né?! _ tinha como boa parte de seus constituintes o chamado “centrão”, que era uma galera conservadora, amiga do grande capital, pertencentes aos partidos: PFL (atual DEM), PDS (atual PP), PTB, e claro, o PMDB _ que era o partido do presidente do Brasil, o atual dono do feudo maranhense, ocupante da cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, o excelentíssimo senhor José Sarney de Araújo Costa. 

Promulgada a CF, o Estado brasileiro garante os direitos a educação, saúde, moradia, dignidade, cidadania e não se precisa mais lutar por nada, a lei está feita e o povo está feliz, educado, de barriga cheia, com todos os dentes na boca e ganhando um salário suficiente para cobrir todas as suas necessidades de fato necessárias _ tipo comida e papel higiênico.

Não mesmo!

A CF não passa de um pedaço de papel e as normas não são entidades garantidoras de qualquer coisa que se imagine. 

Vou mais longe. 

Nem mesmo o próprio Estado é suficiente para dar conta de todas as contradições do direito em nossa sociedade capitalista. O Estado que pretende garantir uma vida digna ao seu povo, é o mesmo Estado que se dobra diante das demandas do capital.  

O Estado trata todos como iguais perante a lei, ignorando o fato que a estrutura social é desequilibrada, ou seja, o Estado dá isonomia, mas não iguala as condições sociais. Ora, o Estado diz que a livre iniciativa é algo democrático ao mesmo tempo em que sabe que serão os ricos aqueles que dominarão os meios de produção e explorarão aqueles que tudo o que tem a oferecer é a mão de obra. Estes mesmos burgueses controlarão o Estado para que seu domínio não seja quebrado, e o farão pelo Estado, através da manipulação do sistema, ou por cima deste, corrompendo funcionários públicos, por exemplo.

O verdadeiro poder não está no Estado, está em quem está por trás dele.

O poder está longe do povo, pois este vive esparso e imerso na luta diária, banhada de sangue e suor, para conseguir as migalhas que lhe são atiradas. Milhares de trabalhadores podem protestar para a diminuição das horas semanais trabalhadas, mas um burguês muito influente, pode com um torpedo fazer com o que as coisas fiquem como estão.

Se o poder não está com o povo, logo, este é meramente manuseado por quem o possui.
E é neste ponto que convido as senhoras e os senhores a pensar além dos muros do Estado, além do nosso sistema jurídico.

Será que o sistema vigente é justo ou pelo menos é norteado pela noção de justiça? Será que aqueles que estão no poder buscam cumprir os objetivos contidos na nossa carta magna? Será nossa, de fato, a carta magna, ou dos latifundiários, dos banqueiros, dos industriários, dos donos de redes de TV e jornal? Será que temos que lutar pela reforma do Estado ou pela superação de seu modelo?

Estado laico

O que isso tudo tem a ver com laicidade?

Ora, tudo.

Leio muito por aí gente se apoiando firmemente na CF como argumento de que o Estado brasileiro é laico e deve ser respeitado como tal. Várias dessas pessoas caem na armadilha de achar que o Brasil é laico porque a CF diz que ele é laico, ou seja, somos o que falamos _ é igual acreditar que a China de fato já fora uma república democrática, porque ela assim se autoproclamava.

O Brasil não é laico, talvez um dia seja, mas hoje não é. Os brasileiros médios nem sabem o que é isso, e muitos dos que sabem, não conseguem entender porque ele deveria sê-lo.

Não estou dizendo que a CF não tenha lá seu valor, sim ela tem, nas querelas diárias, na vida rotineira do cidadão. A questão é que ela está aquém das grandes questões, dos paradoxos, das contradições.

Temos que entender de verdade qual o grande benefício da laicidade para vida cotidiana, e fazer com que todos ao nosso redor entendam. Não porque é uma norma, pois apenas enquanto norma não tira forças de si mesma, mas sim porque a isenção total talvez seja a forma mais sensata de se garantir a justeza com a diversidade, com aqueles que veem a vida por ângulos diferentes.

Constituições podem ser rasgadas, normas desrespeitadas, mas nossos ideais não podem ser tirados de nós.

E é por isso, e mais um monte de outras coisas não ditas aqui, que a luta pelo Estado laico está longe do seu fim!

Auf Wiedersehen =D