José, Joana e o Patrão



José chega em sua casa, para o carro na calçada, sai do carro, abre o portão, guarda o carro, pega suas ferramentas de trabalho e entra em sua casa. Ouve um som da cozinha, que é de Joana fazendo a janta para a filha Mariana ir para escola. Ele senta-se no sofá e liga a TV para ver o jornal, mas nem presta muita atenção, uma vez que o cansaço rouba-lhe a concentração. Joana vai até o marido e senta-se no outro sofá, também está cansada por ter trabalhado na empresa e fazer serviço doméstico.

Uma semana ele limpa e ela cozinha, e na outra semana eles invertem. Sempre foi assim, exceto quanto José quebrou a perna e ficou quase um ano em casa, desempregado. Não era registrado na época e por isso não conseguiu providência da previdência.

É assim desde que se casaram, faz quase trinta anos.

José aprendeu desde criança, que trabalhar é a maior virtude que um homem poderia ter. Nunca duvidou disso, nem mesmo quando teve um chefe rico, que nada fazia além de dar ordens, vomitar moralismos pelos corredores da empresa e desfilar com políticos e putas.

Joana foi ensinada desde criança a ser uma boa mãe, dona de casa, e submissa ao marido, mas desafiou o pai e fazia bico de qualquer coisa que pintasse: garçonete, secretária, babá, doméstica e até desentupidora de privada. É outra que sempre prezou pelo trabalho árduo e interminável. Não sabia o que eram férias.

Por onde passavam, eram admirados por seus patrões por trabalharem muito, falarem o necessário e nunca questionarem _ nem mesmo quando o salário vinha a menos ou quando as horas extras magicamente desapareciam. Mas nunca eram eles os escolhidos a subirem de cargo, pois teriam de contratar duas ou três pessoas para fazerem o trabalho deles.

Trabalhar mais parecia à solução para todos os problemas. Não tinha estação ruim, nem dor ou péssimas condições de trabalho que fizessem que estes dois parassem de labutar. O cansaço era um velho companheiro e o suor eram gotas de vida que fluíam de seus corpos surrados.

Conheceram-se numa greve _ não que eles concordassem com a greve, mas não tiverem escolha uma vez que a ninguém foi permitida a entrada na empresa. Começaram a conversar sobre os vagabundos dos grevistas, que só queriam mais direitos e sempre deixavam os patrões na mão quando mais precisavam deles _ enquanto isso, o patrão deixava a empresa em seu BMW novo.

Casaram-se meses depois. A lua de mel foi na produção.

Hoje José chegou em casa, não estava cansado, mas confuso, Joana quis saber o que o deixava tão triste. Ele contou que ficou sabendo que um rapaz mais novo, que fazia a mesma coisa que ele ganhava quase o dobro do seu salário. Pela primeira em muitos anos, ele sentiu vontade de entender o porquê daquilo, foi uma vontade repentina, um impulso estranho e forte. Tomou coragem e foi até o patrão para entender como aquilo podia acontecer logo com ele, que trabalhava mais duro que todos e que estava na empresa quase 10 anos.

José contou que seu patrão se irritou com a pergunta, o chamou de insolente e ingrato, e que se estivesse insatisfeito que fosse procurar outro emprego, gente para trabalhar tinha de balde nas ruas.

José sentiu o sangue correndo pelas veias, subiu uma quentura, sentiu-se injustiçado pela primeira vez em sua vida profissional _ a única que tinha. Não conseguia entender como podia ser chamado de ingrato. De ingrato! Seria a segunda pior ofensa que ouviria em toda sua vida, porque a primeira viria a seguir.

O patrão começou a falar sobre os impostos do governo, sobre as novas malditas leis que protegem o trabalhador e sobre como hoje em dia perderam respeito pelos patrões, porque se não fossem por eles, essa gente morreria de fome.

José quis falar, mas foi interrompido novamente pelo rompante histérico do patrão. Tentou de novo, sem sucesso, e de novo, até que perdeu a paciência e esmurrou a mesa pedindo que o homem se calasse.

“Eu não quero nada a mais, só quero o que é justo, se o rapaz faz o que eu faço, tenho que ganhar o que ele ganha. Só isso senhor.”

“Você é um velho, um va-ga-bun-do...”.

Daí em diante José não se lembra de mais nada, algo tomou-lhe a razão por completo e num impulso ainda mais forte, bateu com o martelo que estava em suas mãos contra a cabeça do patrão, fez um movimento rápido e certeiro, da direita para a esquerda. O corpo sem vida voou de imediato para o chão, não houve tempo nem para um último gemido ou suspiro.

O patrão morreu.

José saiu da sala e todos o viram sair com as mãos sujas de sangue, mas não tinham ouvido nada _ a sala era a prova de som, o patrão não gostava de ser incomodado pelo barulho dos empregados. Limpou as mãos numa torneira, entrou no carro e foi para casa, quando abriu a porta foi que voltou a si, e entendeu o que havia feito.

Joana ajoelhou-se aos pés do marido e começou a chorar de desespero.

Minutos depois a polícia chegou.

O resto da história acho que vocês já sabem qual é.

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