Mídia: Compromisso com o dinheiro

Já faz alguns anos, todo mês de junho é realizada a festa do peão aqui na cidade de Americana. Ano passado um rapaz morreu em uma briga nessa mesma festa. O dono da festa disse que foi briga de gangue, mas ele não estava próximo do local, e mesmo que estivesse não conhecia as pessoas o suficiente para afirmar que de fato se tratavam de gangues. Nem a polícia sabia que se tratava de briga de gangues. Ou seja, podemos entender que o dono da festa tentou desqualificar os brigões para que seu show não fosse prejudicado _ como de fato não foi, pois o local sequer foi lacrado para averiguação.

Aqui na cidade tem dois jornais e um deles, o mais popular, faz divulgação de toda a festa, mostra fotos do show e tudo mais. Este jornal critica as mazelas da prefeitura com uma vontade fora do comum, além do trivial: divulga vários acidentes, assassinatos, roubos, casos de pedofilia, enchentes e tudo mais que mereça ser notícia.

Dito isso, pergunto: Um assassinato na festa mais popular da cidade não merecia ser notícia? E de capa ainda?

Mereceria sem dúvida, pois é esta a matéria prima do jornal: notícias.

Melhores notícias alavancam a venda de jornais, a boa venda de jornais atrai investidores e anunciantes. Quanto maior o número de tiragens e quanto mais ele se expandir pelo país, mais caro fica anunciar no jornal. Mais caro ainda ficará se a disputa pelos espaços dos anúncios aumentarem.

Para terem uma ideia do que estou falando, um anúncio de uma página inteira no jornal a Folha de SP custa mais de R$ 300.000,00 em um dia útil. Aos domingos esse preço sobe para quase R$ 400.000,00. A revista O Globo que é publicada aos domingos, o anúncio em uma página inteira custa R$ 75.000,00.
Em 2012 a circulação média diária da Folha foi de 297.650 jornais, estando à frente do Super Notícia (296.799), do O Globo (277.876), Estadão (235.217) e do Extra (209.556) que também pertence a Globo. 

Ao observar o custo do anúncio e a quantidade vendida de cada veículo, não parece mais tão absurdo assim anunciar. Entretanto, você tem que ter muita verba disponível para isso.

Se forem as notícias que trazem novos leitores, assinantes e anunciantes, um jornal que se preza faz o possível para chamar a atenção de seu público. O jornal local simplesmente não quis fazer isso nesta ocasião.

Don't let them "sheep" you
A cobertura do caso foi porca e completamente desinteressada em saber o que aconteceu com o rapaz. O título da matéria continha sequer uma menção a palavra rodeio ou festa do peão. No site o título da matéria era “Confronto de gangues acaba em morte” e no papel (escondido na última página do caderno de notícias) o título era “Confronto de gangues mata 1”.

O jornal deu a impressão que queria garantir que a notícia não iria chamar a atenção de ninguém, que esta ficaria esquecida, escondida. O jornal preferiu mostrar o público feliz e contente com a famosa festa de esfolamento de bovinos. Preferiu proteger seu patrocinador. E é o mesmo jornal que ataca o prefeito com unhas e dentes e vomita moralismos. O mesmo jornal que tem como slogan: compromisso com a verdade.

Talvez o jornal tenha feito o cálculo: o que dá mais lucro, a divulgação da festa do peão ou noticiar a morte de um pobre, de um Zé ninguém?

A pergunta aqui é retórica.

Cálculos como este, imagino, são feitos a todo o momento nestas empresas, afinal, reiterando, é de dinheiro que elas precisam para sobreviver. Donos de jornal, que são empresários, são parceiros de outros empresários. Então toda a lógica do processo é regulada por estas relações financeiras e políticas.

Editores dobram e se desdobram a todo o momento para atender os interesses de X,Y,Z, ao mesmo tempo se possível. Jornalistas têm seus trabalhos praticamente destruídos. Ótimas investigações, daquelas que deixaria Pulitzer saltitante de felicidade e renderiam o tal prêmio Esso, são perdidas quando não atendem a ideologia do patrão, e os interesses de seus comparsas.

Não vim aqui listar quais jornais, rádios, noticiários de tv, revistas, sites se servem deste processo para sobreviverem, mas apenas queria pedir que olhem com desconfiança para empresas que pegam pesado com certos partidos e são aquiescentes com outros; privilegiam uma classe, uma religião, uma orientação sexual, um esporte; poupa algumas figuras da sociedade de certas acusações enquanto destrói outras sem ao menos ter uma única evidência de ter feito qualquer coisa.

Cabe aqui outra retórica: se o dono da festa do peão não anunciasse no jornal que tem “compromisso com a verdade”, qual seria a capa do jornal do dia seguinte?

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