Compro, logo existo.

Meu!
Um violão, um toca disco, uma caixa de legos, livros e mais livros, um barbeador antigo, uma impressora, um PC, um notebook, um tablet, dois smartphones, um playstation 2, um playstation 3, um xbox, 10 calças jeans, 9 pares de tênis ou sapatos, 12 camisas, um carro do ano, uma moto do ano, uma lanterna, um binóculos, uma barraca para 6 pessoas, um aparador de grama, uma churrasqueira elétrica, uma churrasqueira normal de metal, um taco de baseball, 2 raquetes de tênis e 10 bolinhas...

Esta é a lista de itens que Mauricio possui em sua casa (ele mora com os pais e sua irmã mais nova), são os itens que ele chama de "meus".

Mauricio acorda às 7 da manhã para trabalhar e só retorna ao lar às 17h25min, para ir para faculdade e só retorna de van às 23h19min. Sábado pela manhã ele sai de casa para resolver algumas pendências no centro, a tarde vai jogar um futebol ou fazer trabalhos da faculdade e à noite sai com os amigos. Aos domingos sai para almoçar com a família e depois ou fica no computador ou encontra os amigos novamente, retornando ao lar umas 21 horas.

Ele não toca violão; os poucos discos que possui, estão quebrados ou perdidos no quartinho de bagunça; não gosta de ler livros; usa lâminas de barbear; joga jogos no computador super equipado e só usa este para acessar a internet; trabalha de uniforme (seu calçado de trabalho é um EPI); não usa a moto para trabalhar depois que caiu; não costuma acampar pois nem sua família, nem seus amigos são muito fãs; não gosta de fazer churrasco, mas gosta de ir à churrascos; só gosta de jogar futebol, tentou jogar tênis mas não gostou muito.

Como podem ver, o rapaz não tem tempo para utilizar boa parte de seus pertences e em alguns casos a questão não é tempo, mas sim que ele não gosta daquele item. Para se desfazer de um item é quase um parto, e o que é pior, mais itens vão sendo agregados a sua coleção sem a necessária reflexão, ou seja, compra mais um monte de bugiganga de forma impulsiva.

Passou horas na fila de uma loja no shopping um dia desses, para comprar um smartphone de uma marca famosa. Seu antigo smartphone não tinha completado nem 6 meses de uso, e foi comprado exatamente da mesma forma: horas na fila da loja.

Estava em promoção? Não, de jeito nenhum!
Ele não podia esperar mais para comprá-lo? Poderia, mas não queria.
Por quê? Porque queria ser um dos primeiros a tê-lo e mostrar para os amigos.
E o que ele ganha com isso? Nada.

Maurício não sabe o preço da verdura e nem das frutas, nem do arroz e nem do feijão, mas é daquele tipo de comprador que vive esbravejando nas redes sociais o quanto o governo cobra de imposto pelas mercadorias que possui. Vive dizendo que queria morar na Flórida para pagar mais barato pelas coisas _ mas não gosta e não sabe falar inglês, além de não ter nenhum outro motivo mais nobre para morar lá.

Maurício nunca está satisfeito consigo mesmo, sempre acha que existe algo que precisa ser comprado e não adianta dizer que ele não precisa daquilo. Ele sempre precisa, mesmo que para segurar nas mãos por alguns instantes e guardá-lo no quartinho escuro para sempre.

Este comportamento se estende inclusive em suas relações. Passado uns anos casou-se com Daniela que deu a luz à Isabela e Vitor, um lindo casal de gêmeos.

O namoro deles foi meio turbulento pois Maurício sempre reclamava da namorada não fazer isso ou aquilo, mas, por outro, se tinha algo em que ele era bom, era em dar presentes. Quase não a elogiava ou a afagava, mas a enchia de presentes em todas as datas possíveis.

A criação dos filhos se resumia em Maurício dar-lhes brinquedos e mais brinquedos, porém era a mãe quem tinha que brincar com as crianças e tomar quase todos os demais cuidados. Maurício dormia em um quarto separado para não ouvir o choro _ e não era porque ele tinha que acordar cedo por causa do trabalho, era porque ele não queria ouvir e pronto.

Anos se passaram e Daniela se cansava cada vez mais do marido distante, que a cada vez que ouvia uma cobrança dela, mandava flores e o mesmo chocolate. Até que um dia, depois de uma briga entre eles, Daniela finalmente o desafiou: queria que ele demonstrasse o quanto a amava sem que ele desse uma mísera mercadoria para ela.

O rapaz entrou em apuros. Ficou confuso pois não entendia como uma pessoa não ia querer um objeto novo em sua vida. Sabia desde criança que era o menino mais legal da rua porque tinha mais brinquedos que os outros;  sabia que era o aluno mais legal da sala pois tinha mais jogos de video game; sabia que era o jovem mais cobiçado pelas garotas da faculdade pois tinha um carro legal, uma casa na praia e sempre dava presentes para aquelas que gostava; os filhos o amavam pois ele sempre dava brinquedos.

Pegou seu smartphone super novo, e olhou para a lista de contatos procurando alguém para perguntar o que fazer naquele momento de tensão. Desceu a lista letra por letra, ligou contato por contato, de A até chegar no Z, quando começou a chorar. Quase ninguém o atendia, e os que atendiam diziam:

_ Dá um presente para ela!
_ Eu te disse, ela não quer presente!
_ Manda mesmo assim, todo mundo gosta de presente. Não é assim que você sempre diz?!

Maurício deixou todos os seus amigos chateados, pois sempre que era convidado para uma festa, nascimento de filho de um amigo, funeral de um ente querido, ele não ia, mas mandava um presente.

Moral da história


O que acontece com Maurício e Daniela fica na imaginação de cada um, o que eu queria com tudo isto, era fazer uma reflexão sobre o consumo. Fazer cada um pensar sobre o quanto do comportamento de Maurício há dentro de nós. O quanto consumimos sem necessidade ou o quão vazias são muitas de nossas necessidades.

Poderia aqui falar sobre a absurda produção de lixo ou ainda sobre o quanto temos que trabalhar para pagar por aquilo que compramos, mas deixo para próximas oportunidades.

Convido a você que está lendo a participar desta reflexão com um exercício utilizando papel e caneta ou o bloco de notas do seu computador: anote todos os objetos que possui em sua casa e utilize a classificação DIE:

D (dispensável, não precisa dele);
I (indeciso, não tem certeza se precisa ou não);
E (essencial, não pode viver sem).

Feito isso, seria interessante discutir com aqueles que vivem com você, a real necessidade dos itens da classe I, reclassificá-los em D ou E, e depois escolher o que fazer com os itens da classe D: doar, descartar ou vender.

Este procedimento poderia ser feito anualmente, de preferência antes do Natal, pois é uma época que se gasta muito dinheiro com mercadorias e sendo assim, a casa estaria livre de itens desnecessários e teria espaço para mais itens _ desnecessários...

Manche Menschen ändern sich nie

Auf Wiedersehen!

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