Defina-se, idiotize-se

Jamais sairão... jamais...

Definir: do latim, definire, onde "de" completamente, + "finire" limitar, fim. Sinônimos: Dar sentido, explicar, revelar, fixar, limitar.

O assunto que será tratado é velho, talvez até recorrente em muito lugares da internet, mas de qualquer forma deixarei aqui minhas impressões. É uma opinião a mais, pode ser que não acrescente nada ao seu repertório.

Em mesas de bar, na faculdade, canais de tv, posts de facebook, comentários de blogs, videos e tudo mais, é recorrente o uso de definições, por exemplo, "banda tal, toca tal estilo", "fulano é da religião tal, logo crê nisso", "beltrano é do partido tal, então pensa assim" e por aí vai.

Sobre a definição, da palavra definição, poderíamos imaginar a seguinte situação: eu pego um pedaço velho de tijolo de construção e risco no chão um círculo, ao lado deste círculo, desenho uma seta indicando para a palavra "Comunismo". Alguns metros adiante, desenho outro círculo com outra seta, apontando para a palavra "Cristianismo", metros adiante desenho um terceiro círculo com a seta indicando para a palavra "Pragmatismo", um quarto com a palavra "Capitalismo", um quinto "Feminismo", um sexto "Sertanejo", um sétimo "Hip Hop", um oitavo "Motociclista", um nono ... um milionésimo ... até acabar todos os tijolos da construção ou acabar o asfalto ou meu braço ter caído.

Depois de desenhar todos os círculos, convoco com a ajuda simpática da PM, um número de pessoas igual ao número de círculos. Cada pessoa ficará dentro de cada círculo. E a elas estará um detector de mentiras, que dá choques fortes caso identifique alguma. Como um apresentador de programa dominical ruim (desculpe o pleonasmo), ando pela rua com fichas na mão, nestas fichas contém os assuntos que serão tratados com os voluntários.

Me posiciono diante do cara que está no círculo do heavy metal e pergunto: "Tem alguma música sertaneja no seu mp3?" ele diz que sim, e é imediatamente e educadamente retirado do círculo por um dos guardas. Me posiciono agora diante de uma moça cujo círculo está escrito feminismo, e pergunto: "Você é favorável que mulheres prestem o serviço militar?" Ela diz que sim, e permanece no círculo. Faço a segunda pergunta: "Acha que os homens devem ter licença paternidade, com tempo parecido com o da mulher? Ela diz que sim, toma um choque e é retirada de seu círculo. Em seguida pergunto a um cristão "Você acredita no reino do céu?" Ele diz que sim, pergunto "Quer entrar no reino do céu?" Ele novamente diz que sim, pergunto "Você é rico?" Ele diz que sim, e é retirado do círculo. Pergunto a uma comunista "Você acredita em uma sociedade igualitária?" Ela diz que sim, e pergunto "Acredita numa sociedade sem governo?" Ela diz que não, e é retirada do círculo. Pergunto a um capitalista "Você é a favor do livre mercado?" Ele diz que sim, pergunto "Vê algum problema quando duas empresas combinam preços?" Ele diz que sim, toma um choque e é eliminado.

O experimento continua, e percebemos que a medida que as pessoas entram em contradição com a definição ou ideologia que estão inseridas, elas vão sendo retiradas de seu círculo. Algumas ainda tentam permanecer, mas mentindo e o choque não permite que continuem.

De modo geral, podemos dizer que quem se define, realmente se limita. Este círculo em torno de si, são determinadas ideias, e a saída deste círculo para um outro automaticamente te exclui desse círculo ideológico.

Mas você poderia pensar: O experimento não está correto. Existem vários círculos, e as pessoas estão distribuídas nestes círculos, só que existem círculos que poderiam tranquilamente se misturar entre si. Por exemplo, o círculo do heavy metal poderia estar em intersecção com o círculo do feminismo, até porque eles são de categorias diferentes, um é música e o outro é uma visão política.

Dado esta observação, o experimento é refeito, porém, criando categorias para os gostos e ideologias. Alguns problemas são identificados, por exemplo: O Black metal norueguês, quando surgiu não era apenas um estilo musical, ele era considerado um estilo de vida, ele ia além da música propriamente dita. Outros estilos musicais, como o rap, também vem de uma manifestação cultural com viés ideológico. Para colocá-los como estilos apenas musicais, eles devem ter sua origem e sentidos ignorados.

As definições ideológicas são agrupadas em categorias, e novamente passam pelo crivo. Um rapper liberal é perguntado "Você é contra a intervenção do governo?" Ele responde que sim. "Gosta do Mano Brown?" Ele diz que sim. Pergunto em seguida "É a favor de uma lei de cotas na universidade?" Ele responde que sim, e é eliminado. O cristão que gosta de Nargaroth é eliminado antes de entrar no círculo. O comunista que calça um tênis de uma empresa estadunidense e ainda com uma coca cola nas mãos também tem a mesma sorte.

Enfim... as coisas vão se misturando e os absurdos encontrados são enormes. Ou talvez, não sejam absurdos.

Existem tantos caminhos nessa vida, tantas escolhas, tantas ideias, e nem sempre estas ideias se excluem. E existem circunstâncias em que uma atitude vai muito bem, e existem outras em que a mesma atitude vai muito mal. É uma questão de saber avaliar.

Se definir, se limitar, neste caos todo é um perigo. Abraçar uma ideologia toda pode facilmente ser percebido como um erro. Nada impede que em uma prateleira de ideologias, você escolha dois elementos desta, três elementos daquela e mais um daquela outra e crie seu próprio ideal do que seria o melhor _ é aqui que eu queria chegar, aliás.

Para pegar um exemplo, Marx que escreveu O Capital no século XIX. Fosse hoje, ele provavelmente teria escrito outras coisas, mudando muito dos conceitos centrais de sua obra. Algumas coisas não mudam assim de um século para outro, mas outras mudam. Hoje ele teria que lidar com problemas que são nossos, da nossa época, então temos que ter muito cuidado ao analisar o que ele disse, e entender em primeiro lugar, seu contexto histórico: como era sua época, quais eram os desafios daquela época. Hoje Marx teria problemas para pensar como o Google, o Facebook, a Microsoft, e em sua época nada disso existia, aliás, muito de suas teorias não levavam muito em consideração o poder de transformação da produção, pela tecnologia. Mas e aí? Era a época dele, não tinha como saber.

As ideias dos filósofos antigos nos ajuda a resolver os problema de nosso tempo, assim como os ensinamentos dos nossos avós, mas eles mesmos não resolverão estes problemas, talvez mesmo que vivos estivessem. Então já passou da hora de não mais idolatrarmos tais ideias como se fossem absolutas e inexoráveis. Já passou da hora de apontarmos para cada ideia, cada ideal, questionar, reciclar o que nos serve, e descartar o restante.   

A tecnologia está aí, as redes sociais estão bombando, mas muito do que se vê é uma mistura de ignorância e ódio, uma vontade de destruir não se sabe o que, e construir nada de bom em seu lugar. É o ódio pelo ódio, a burrice pela burrice. As pessoas tem suas casas cheias de coisas, tem fotos de viagens para vários lugares, mas ainda pouco na cabeça _ e neste acidente de país, parece que menos ainda.

"Ah então você é foda, você tem muito na cabeça". Não disse isso. Embora concorde, que numa comparação eu estou melhor que a média nacional, o que em termos internacionais não quer dizer muita coisa.

O que eu quero dizer é que não há reflexão, só há repetição, engolição, alienação. Numa visão aristotélica este povo está numa merda profunda, porque se uma vida boa é uma vida refletida ...

O filho da puta lê uma coisa no jornal, na revista e acredita. Ele não quer saber o que está por trás daquela notícia, daquele discurso. Não interessa saber quem é o dono, o que pensa, com quem este se relaciona. O puto vê uma postagem no facebook e acredita. Não vai nas fontes, não investiga, não questiona só dá um like e sai vomitando besteira.

Não estou reivindicando moral ou verdades, só estou pedindo: é muito usar o cérebro? é muito pensar? é muito duvidar?

Platão devia estar certo, as pessoas vivem em cavernas olhando para as sombras. O sol é demais para elas... é demais...

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