Uma vez
estava num show e na minha frente tinha um rapaz alto. Percebi num dado momento
que o rapaz usava um fone de ouvido, e como a tela era grande, pude ver que ele
estava no what’s app. Na hora fiquei abismado, onde estava aquele rapaz? Eu o
via ali, atrapalhando minha visão, mas não tenho certeza se ele sabia onde
estava.
Aliás, somos
muitos os que por vezes ficamos off-line do mundo off-line. Não apenas viajando
em nossos devaneios, mas acessando e interagindo com outros mundos.
A internet e
as redes sociais ajudam a criar essa noção de que o mundo é muito mais que o
nosso quintal, que as possibilidades de uma boa vida estão por todos os lados.
Estar imune a tamanha tentação é quase impossível.
A angústia
que sinto diante das possibilidades que a internet mostra, é a mesma que sinto quando
estou em um sebo querendo comprar livros. Eu tenho pouco dinheiro e existem
muitos livros, mas eu não sei qual levar, quando escolho um, percebo que deixei
outros duzentos bons para trás. E do mesmo jeito que não consigo comprar todos
os livros, não consigo viver todas as possibilidades que a vida oferece. O
problema é que o primeiro não causa sofrimento (só um pouquinho), mas o segundo
causa.
E a consequência
disso pode ser o que disse, surfamos na superfície das coisas para não gastar
muito tempo e esforço em coisas mais profundas, e assim termos tempo para viver
um pouco cada possibilidade que aparentemente considerarmos viável.
Esta
superficialidade se estende a relação com as pessoas, porque se antes valia a
pena dar a vida para fazer uma relação durar, hoje, ao olharmos ao redor e
vermos que há tantas opções, que há tantas formas de aliviarmos a dor, de
evitarmos o sofrimento, talvez cada vez mais vamos querer nos esforçar menos.
Li uma
notícia certa vez, que o facebook pode causar infelicidade nas pessoas. Uma das
razões é o fato de você ver pessoas felizes o tempo todo, e ao olhar para si
próprio, perceber que não é tão feliz ou não faz tantas coisas legais como
estas pessoas.
[Há quem chame isso de inveja branca, que é
uma expressão nonsense. Primeiro por causa da ideia de que as coisas brancas
sejam boas; segundo porque a inveja é um sentimento de tristeza perante a
felicidade do outro, ou seja, independente da cor que se queira dar, continua
sendo inveja].
Até nos
jogos de vídeo game, que costumam ser ambientes de competição, se tem arrumado
formas de se evitar o sofrimento. Tem um jogo de corrida que quando você erra
uma curva, rodopia ou qualquer coisa assim, tem um botão que você aperta e seu
carro volta antes do erro (fora os autosavings).
Com tantos
atrativos, a vida on-line tem tudo para engolir a vida off-line. Bom, esse
engolir pode significar muita coisa, porque por mais que tentemos escapar da
vida real, ela continua e ela prevalece. Portanto considero ideal o
entendimento dessa relação da vida on-line com a off-line, de forma que possamos
encontrar o caminho do meio, fazer com que as possibilidades da vida on-line,
nos mostrem caminhos melhores na vida off-line.
[Um pouco antes de fechar o post, vi uma notícia de uma menina que morreu num acidente de moto no Paraguai. Ela bateu na traseira de um caminhão que estava parado. Em suas mãos, um celular... Agora ela está off-line para sempre.]
Saudações, de seu leitor.
Este post é uma
resposta para uma das cartas que Zygmunt Bauman publicou
na revista italiana La Repubblica delle Donne
entre 2008 e 2009, que depois foram reunidas e editadas para o livro 44 Cartas ao Mundo Líquido Moderno (Zahar).
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