No texto
anterior, disse que quem quer guardar uma informação para si, tem o objetivo de
se proteger de algo, mas não quer dizer, contudo, que isso seja algo ruim.
Aquilo que
somos e aquilo que é feito de nós (as relações sociais) compõe nossa
identidade, ou seja, aquilo que nos torna únicos, diferentes de todos os
demais. Os segredos entram nesta composição, pois são informações sobre nós
mesmos, neste caso, as que nos recusamos a compartilhar com qualquer um.
Os segredos
são mais que isso, pensemos neles como se fossem uma demarcação imaginária de
nossas fronteiras, nosso campo de autoafirmação. Quanto menos sabem sobre quem
somos, mais fortes são as fronteiras.
Antes das
redes sociais, para saber o que uma pessoa gosta de ouvir, de comer, que
lugares gosta de frequentar, seus hábitos mais simples, havia a necessidade de
perguntar diretamente ou a terceiros ou de flagrar a pessoa. Depois das redes,
basta meia dúzia de cliques e voilà! Tudo
isso é capaz de ser descoberto sem a mínima necessidade de uma conversa ou
mesmo ter saído do quarto.
Essa
facilidade existe porque cada vez menos se dá importância para a privacidade.
Se antes havia uma necessidade de esconder informações sobre si mesmo, hoje
temos uma inversão, as pessoas cada vez mais postam informações sobre si mesmas
em seus perfis públicos. O medo de revelar foi trocado pelo medo de não ser
mais visto.
As pessoas
postam o que estão comendo; o que estão assistindo; o que fizeram na sexta, no
sábado, no domingo; dão bom dia; informam que estão doentes; informam que está
calor; que está frio; que compraram uma TV nova; que caíram da bicicleta; que
estão tristes; que estão felizes; que alguém tem inveja delas... enfim, todo
tipo de informação irrelevante.
Tem um
seriado que gosto muito que é o How I Met Your Mother. No episódio da 7º
temporada Mistery x History, Ted Mosby conhece Janet e a convida para sair.
Porém, ele sugere a ela que eles não façam uma consulta na internet sobre o
perfil um do outro, para que eles tenham a chance de se conhecerem durante o
encontro.
Quem conhece
a série sabe que Ted é um personagem romântico que acredita que irá encontrar a
mulher de seus sonhos, e esta ideia de se conhecerem sem a internet soa um tanto
romântica. Mas a ideia não é apenas romântica, ela faz sentido para o
fortalecimento de uma relação.
Quando se conhece
uma pessoa, boa parte da primeira interação está relacionada a questões simples
sobre o que cada um gosta de fazer ou que pensa sobre algum assunto. Ted não se
conteve em aguardar a resposta de Janet, e acabou olhando na internet antes de conversar
com ela, e perdeu a grande chance de muitos encontros e muitas conversas, ao
substituir por uma olhadela de dois minutos em seu perfil.
Contar um
segredo para uma pessoa é um ato de confiança, e é esta confiança que ajuda na
construção de laços mais fortes entre as pessoas.
As coisas
que nos custam mais caro são coisas que dificilmente abrimos mão, e quando
abrimos, o fazemos para alguém importante. Enquanto cada vez menos tivermos coisas
importantes para guardarmos para nós mesmos, menos teremos a oferecer para os
outros, de forma que as relações serão cada vez mais de trocas banais e sem
sentido.
Ter mil,
dois mil amigos parece uma necessidade de suprir o vazio destas relações cada
vez mais sem sentido; querer estar em todos os lugares porque não se consegue
se satisfazer com apenas um; consumir todas as doses de drogas, porque uma dose
não faz mais efeito; fazer sexo com todas, porque uma só não basta; comprar um
monte de bugigangas porque ter um único artefato é insuficiente.
A liquidez
do mundo parece nos afogar em nossos próprios desejos, e se há quem argumente
que há ganhos em todas as áreas, deve entender que certamente há perdas.
Este post é uma reflexão
sobre uma das cartas que Zygmunt Bauman publicou
na revista italiana La Repubblica delle Donne
entre 2008 e 2009, que depois foram reunidas e editadas para o livro 44 Cartas ao Mundo Líquido Moderno (Zahar).
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