O Prazer, o Repouso e a Dor


Numa bela e fria noite de inverno, caminho pela margem do rio e sou interceptado pelo meu amigo Pedro A.:

_ Noite caro amigo! Porque está cabisbaixo e tristonho?
_ É difícil explicar, é uma sensação de vazio, um forte pesar.
_ Ora, mas há poucos instantes te vi com uma bela dama, aos sorrisos e caricias.
_ É exatamente a falta dela a razão deste vazio.
_ Compreendo e me solidarizo com esta dor aparente.
_ Aparente? Me tem como louco nobre amigo? É real o que sinto.
_ Não sinta-se ofendido, meu caro. Sua dor é de fato real, mas sua compreensão é que não está devidamente ajustada.
_ O que quer dizer?
_ O vazio que sente não é dor, é a falta do prazer que sentia.
_ Ora, e não dá no mesmo?
_ Eu não me incomodaria em corrigir-lhe se achasse isso.
_ Então diga-me porque a falta de prazer não é o mesmo que sentir dor.
_ Não é tão difícil de explicar-lhe. Concorda se eu disser que existem momentos em nossa breve existência que não sentimos nem dor, nem prazer?
_ Sim, concordo.
_ Pois bem, vamos dizer que essa sensação se localiza entre a dor e o prazer, ou mesmo entre a alegria e a tristeza. Se eu chamar esta sensação intermediária, de repouso, é de seu agrado?
_ Por certo que sim.
_ Ótimo, este estado de repouso então, é único, ou seja, ele não pode ser dor, nem prazer, ainda que sejamos tentados a acreditar nisso por sua aparência, correto?
_ Deixa eu ver se entendi seu raciocínio, o prazer tem três estados: prazer, repouso e dor.
_ Exatamente! E eles estão em constante movimento em nossas vidas.
_ Interessante explicação. Então a dor que eu sentia na realidade, era falta de prazer, ou seja, eu passei de um estado de alegria para um estado de repouso?
_ Exatamente!! Agora vamos fazer a análise inversa. Digamos que com esse frio, tu tivesse sido acometido por uma forte gripe, o que certamente te causaria dor.
_ Sim, causaria.
_ Duas semanas depois de tratamento com chás e remédios, tu estivesse curado. Poderia dizer que ao se curar, experimentaria qual estado de prazer?
_ Eu me sentiria feliz por estar curado, mas seria uma felicidade aparente, porque na realidade eu não estaria sentindo prazer algum, apenas estaria feliz com a falta da dor.
_ Correto. Estaria num estado de repouso, e não de prazer ou alegria.
_ Voltando a bela dama que muito me alegra, portanto, eu apenas sentiria dor ou tristeza de verdade, se a tivesse perdido para sempre.
_ Tu aprende as coisas muito rapidamente nobre amigo!
_ Lisonjeia-me! Entretanto, porque é tão fácil enganar-se a respeito disso?
_ Porque tu ainda não conhece a dor. Se conhecesse a dor, a oporia ao prazer, e não oporia o prazer a falta dele. É como opor o cinza ao branco, por não conhecer o preto.
_ Quer dizer que para conhecer o verdadeiro prazer, é necessário conhecer a verdadeira dor; e para conhecer a verdadeira dor, é necessário conhecer o verdadeiro prazer?
_ Não há o que acrescentar a sua conclusão, exceto estas palavras de compreensão: Esse vazio que sente será uma constante em sua vida, e espero que na vida dela, caso ela sinta sua falta tal como sente a dela. Mas ainda que pareça a pior das dores, é somente uma dor aparente, e não verdadeira. E acredito que você caro amigo, esteja em busca de algo verdadeiro, e não aparente.
_ Certamente estou, como nunca antes estive!
_ Bom ouvir estas palavras. Agora enfim te liberarei meu nobre amigo, meu descanso acabou, preciso voltar para o volante.
_ Muito obrigado pelas palavras caro amigo, bom trabalho!

* Baseado no Livro IX da República de Platão, onde Sócrates explica os três estados do prazer: o alto, o médio e o baixo. 

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