Escritos sobre o amor líquido: A vingança do amor


Bauman cita o autor Ivan Klima e sua comparação entre as semelhanças entre dois acontecimentos que considera como únicos e inevitáveis: o amor e a morte.
"Cada chegada de um dos dois é sempre única, mas também definitiva: não suporta a repetição, não permite recurso nem promete prorrogação. Deve sustentar-se 'por si mesmo' _ e consegue. (...) Nem no amor, nem na morte pode-se penetrar duas vezes _ menos ainda que no rio de Heráclito". (p 16-17)
Diferente da experiência da morte, o amor pode acontecer mais de uma vez, porém, nunca uma experiência será igual a outra. O gancho com o filósofo grego Heráclito de Éfeso é providencial, pois este defendia que tudo no universo está em constante transformação, o que chamamos de devir (tornar-se, vir-a-ser).

Como a experiência do amor é única, seria um equívoco acreditarmos que podemos aprender a amar _ assim como seria um equívoco acharmos que podemos aprender a morrer. Num livro que folheei de aforismos de Nietzsche, um destes dizia que deveríamos aprender a amar, mas o filósofo, sabiamente, não nos diz como.

Como passamos a ter mais experiências amorosas, podemos cair no engano de que amar é uma espécie de habilidade que pode ser aprendida, e melhorada em cada nova experiência. No máximo, dentro de uma relação podemos aprender como agir _ e como não agir _ em certas circunstâncias, e tentar levar isso para uma próxima relação, na ilusão de que possa funcionar. Entretanto, no que diz respeito ao sentir, não adianta, nunca é igual.

Agora juntando o que foi falado aqui, com o que foi falado no post anterior:

Com o fim da noção de amor eterno, ficamos sem uma noção exata do que é o amor, logo, qualquer experiência medíocre pode ser encarada como amor. Num mundo em que as experiências do amor são muitas, buscamos o amor quantas vezes forem necessárias, e assim, sempre que começamos uma relação, estamos cientes que ela pode não durar, e com isso, tiramos o pé, não nos dedicamos o quanto for possível, porque se der errado, temos opções no "mercado".

A noção de aprendizado do amor, nos faz pensar que é possível aprendermos e melhorarmos no amor _ o que não é verdade, porque cada experiência é única.

O resultado disso é: a próxima relação (porque sempre haverá a possibilidade de uma próxima), sempre será idealizada como melhor, porque acreditamos ter aprendido algo com a relação anterior.

A esta busca por experiências amorosas, Bauman chamará de vingança do amor, ou desaprendizado do amor. 

E a ironia aqui é: que quanto mais buscarmos novas relações amorosas, menos amaremos.

Por acreditar que sempre temos uma opção disponível _ porque a vida moderna tem de fato criado meios eficientes de reunir pessoas com os mesmos interesses _ tendemos a não deixar que a relação atual, atrapalhe uma possível relação futura, por entendermos que as relações são feitas para acabar, e que esta, atual, tão logo se findará.

É como se passássemos a gostar pela metade, seja pelo anseio de termos uma outra relação melhor no futuro, ou por medo de sermos vítimas desse mesmo fenômeno, e sermos trocados.

Mais adiante no livro, Bauman dirá que os relacionamentos caem na mesma lógica do consumo. Mas isso é assunto para outro dia.

Zygmunt Bauman em sua obra "Amor Líquido" (Zahar, 2003), busca entender a fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança e os desejos conflitantes "de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos". Pretendo fazer uma série de textos que busquem dialogar com esta obra.

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