Senti(n)do


Alguma coisa apertou um botão em mim, e eu, que até então não achei que fosse um robô, me pus num processo estranho, num processo de falar sem pensar muito. É como o efeito inebriante do álcool que vai tirando nossos filtros a cada miligrama que é consumido pelo nosso corpo.

Esse processo é estranho, porque todas às vezes que me coloquei diante desta tela com fundo branco, com essa fonte de cor preta, era porque tinha algo a dizer. Ou acreditava ter algo a dizer. Para quem estava dizendo ? Sinceramente, não sei. Pesquisava e pesquisava, lia e relia, tinha um cuidado redobrado com a gramática e a ortografia _ bom, pelo menos o quanto eu conheço dela.

Mas dessa vez é diferente, essa verborragia está mais para um processo catártico. Estou descontando neste teclado algo que não sei direito o que é. Talvez um psicanalista pudesse me ajudar a compreender melhor essa minha atitude aparentemente sem sentido.

Sentido. Sentido é algo que a gente parece sempre buscar para essa vida, que faz muito sentido ser sem sentido. Felizmente ou infelizmente não compactuo do pensamento mágico daqueles que veem uma espécie de teleologia na vida, quero dizer, que acham que a vida tem uma finalidade, que ela cumpre algum objetivo que algo metafísico, e somente esse algo metafísico, pode explicar.

Não convencido disso, me sinto obrigado pela força do absurdo, aquele do qual fala Camus, agir como Sísifo e ficar empurrando a maldita pedra para o alto do morro, esperar essa maldição rolar abaixo, voltar, e empurrá-la de volta, por t-o-d-a minha vida, e ainda tentar acreditar que talvez seja algo pelo qual valha a pena viver.

Talvez o sentido da vida não seja chegar a lugar algum, seja apenas caminhar olhando para o sol _ não olhando diretamente, porque ferra as vistas _ desejando chegar até ele, mesmo sabendo da impossibilidade disso acontecer. Até porque, se chegar até o sol, morreria instantaneamente.

O sentido da vida pode ser estar neste desejo de metamorfose ambulante, de constante transformação, de ser o rio de Heráclito, e ser devir, de vir-a-ser a todo momento.

Enquanto chove lá fora, eu poderia desejar ser as gotas de chuvas que estavam no céu, correr para o asfalto, adentrar o esgoto, dar um rolê pelos canos, falar um oi para os esquecidos ratos e baratas, cair no rio poluído da cidade, me purificar (me encher de cloro) na estação de tratamento altamente confiável, e voltar para a torneira da casa da dona Maria, que está pingando num balde vermelho desbotado a anos (a água torneira, e não a dona) e que seu único filho nunca vai para arrumar, e evaporar do balde, e voltar para as nuvens do céu.

O sentido da vida pode ser esse fluxo, esse eterno retorno, mas cada retorno diferente um do outro, e não aquela coisa sem graça proposta pelo filósofo do martelo com seu daemon pessoal. O sentido poderia ser uma vida refletida, uma vida absorta em pensamentos, ou quem sabe uma vida preso nas cavernas, observando as sombras e dando as costas para o mundo real.

O sentido pode estar nos desejos, que assim que são realizados morrem, e assim temos que plantar, regar e colher desejos o tempo todo _ como uma espécie de condenação a geração de carma perpétuo. Ou quem sabe o sentido está no ganho de potência, de estar alegre o tempo todo, e no fim ser escravo dessa forma desvirtuada de felicidade. Ou o sentido está no amor ao próximo, ao sacrifício das próprias vontades em benefício daqueles que mais cedo ou mais tarde, lhe serão ingratos e te deixarão pelo caminho.

Não há caminhos fáceis, não existem soluções universais, não existem receitas, não importa o quanto digam os livros de autoajuda _ que como ouvi falar por aí, só ajudam a quem os escrevem. Tudo o que se sabe _ e que se deveria saber _ é que nada se sabe. O pouco que se sabe, é como um pequeno farolete sobre uma pequena porção de água no oceano.

E não adianta muito ficar desesperado, agarrando-se as paredes, encolhendo-se em posição fetal sob o chuveiro. Viver e ter noção de sua finitude, de sua efemeridade, de seu fim, da sua morte, é mais que apenas ter consciência, é um ato de coragem. Estamos condenados a viver, ainda que não necessariamente sejamos tão livres quanto gostaríamos _ se é que gostaríamos de tal responsabilidade.

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