Hobbes o coletor de lixo


Passou o caminhão de lixo, todos na calçada tamparam os narizes e fizeram cara de ojeriza, de asco, de nojo.

Um dos moços que trabalhava na coleta, que achegava-se com seis sacos pretos de lixos grandes, três em cada mão, um deles rasgado, encarou as pessoas na calçada e percebeu os olhares de reprovação.

Num dia normal, ele teria ignorado os olhares e teria seguido adiante, mas hoje, sem pensar, num rompante, decidiu parar. Colocou os sacos de lixos no chão _ para o espanto de todos que usavam as mãos de forma a tampar seus narizes, por causa do odor que lhes aturdia _ e lhes falou:

"
Porque me olham assim?
Estes sacos não são meus, estes produtos, não fui eu que comprei, nem fui eu que os descartei. São seus.

Porque tampam os seus narizes?
Esse cheiro que exalo não é meu, é de vocês.

Minha função é ingrata, mas tão necessária quanto a do intestino grosso de nossos corpos.
E por uma função tão vital como essa para o bom funcionamento da cidade, é assim que me pagam: Com olhares tortos, com cara de asco, com um salário de fome.

Destampem seus narizes e sintam comigo o doce e amargo cheiro da putrefação, do chorume, da podridão humana.

Vamos, sintam comigo os cheiros da vida, do que sobrou da janta de ontem, da embalagem daquele perfume vagabundo, das cascas de fruta da sua dieta de toda segunda feira, dos papéis cheios de merda, das latas de cerveja do marido alcoólatra, das caixas de remédio para as dores, das camisinhas com restos de porra daquela foda sem amor, e de tudo mais que vocês acreditam consumir, mas que na verdade, consomem suas vidas.

Abram estes sacos, vamos, não tenham vergonha, não é para isso que trabalham e ganham dinheiro afinal? Não é por isso que matam? Não é por isso que vivem?

O homem é o abutre do homem.
"

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