Pensamento crítico: não sejamos folhas ao vento


Fui estudante de escola pública estadual no estado de SP do ensino fundamental até o médio, e presenciei toda a falta de estrutura da escola, sem livros didáticos, com falta de vagas, falta de professores e baixa qualidade de alguns deles. Em algumas épocas a merenda era deficiente _ várias vezes cortavam o café da manhã. Isso sem contar um sistema onde os alunos passavam de ano mesmo sem aprender, e um sistema que não leva em conta as especificidades de cada aluno _ e poderia me alongar e criticar o sistema de ensino arcaico (mas ainda aplicado atualmente) onde o professor é o dono do conhecimento, e o aluno é um mero reprodutor e repositório desses conteúdos.

Ao chegar na faculdade veio o baque: o que eu aprendi na escola, não ajudava em nada na faculdade, era como seu eu estivesse começando quase que da quinta série. Isso mesmo eu sendo um bom aluno na escola, que tirava boas notas [nem preciso dizer que me senti enganado depois].

O problema na educação do país não é de hoje, e aqueles que trabalham no sistema, se viram como pode: com baixos salários, com baixo prestígio junto a sociedade, sem estrutura adequada (muitas vezes professores gastando com materiais do seu próprio bolso), com um plano de educação ruim e engessado _ e com promessas de ficar cada vez pior.

A má qualidade inclusive afeta muitas das escolas e universidades privadas, pois é a lógica do mercado que manda: os alunos (clientes) pagam, e no fim do curso recebem o diploma (o produto), e o conhecimento em si, torna-se um mero detalhe.

A lógica da divisão do trabalho infelizmente atinge as formas de conhecimento, separando as ciências em guetos isolados que não dialogam _ e nunca é demais lembrar que o conhecimento não está dividido em caixinhas. Em decorrência disso falamos em ciências da natureza, ciências humanas e exatas como se fossem conhecimentos que não conversassem entre si. Chegamos ao absurdo de pessoas que sabem fazer cálculos complexos, não terem um pingo de entendimento sobre como funciona a sociedade, e como essa pessoa se encaixa nela. Ao mesmo tempo que temos pessoas cultas, que sabem de Platão, Hegel e Camus, mas não dão conta de uma equação do primeiro grau.

Não é de se surpreender que com tantos problemas, tenhamos uma legião de analfabetos funcionais, que acabam se tornando presa fácil para manipulação. A falta de pensamento crítico é um dos principais fatores que possibilitam este estado de coisas.

O enfrentamento às chamadas ciências humanas, visa combater exatamente o pensamento crítico, e privilegiar outro tipo de conhecimento. O conhecimento técnico, instrumental, é sim importante, mas sem a devida reflexão, pode ser extremamente nocivo. De forma simples eu diria que o conhecimento técnico nos ensina como fazer bombas, e o pensamento crítico é o que nos dirá o que fazer com elas.

Sem essa capacidade de pensar por si próprio, de questionar as coisas do mundo, fazer perguntas simples _ o que? como? porque? onde? qual o interesse de tal pessoa? _ nos tornamos apáticos, desorientados, esperando sempre por um salvador com um discurso fácil, que soe como canção para nossos ouvidos, salvador que, segundo ele, nos guiará para um mundo melhor. Chame tais pessoas de robôs, gado, ovelhas, não importa, o resultado é sempre o mesmo.

Não estou aqui advogando que devemos todos sermos cultos, e lermos Hegel, assistirmos filmes iranianos e entendermos a teoria da relatividade. Entendo que nesse mundo atual, as pessoas passam metade do dia fora de casa, produzindo coisas que elas não vão usufruir quase nada ou nada _ enriquecendo os patrões _ em troca de uma migalha que elas vão usar para sobreviver.

Mas vou falar de algo mais simples que ler Hegel. Em primeiro lugar podíamos ter a humildade epistemológica de Sócrates, e reconhecermos que nada sabemos, e a partir dessa atitude aplicarmos sua maiêutica: questionar tudo e todos a nossa volta, não nos contentarmos com explicações prontas e duvidarmos profundamente de respostas fáceis para problemas complexos.

Sem uma atitude filosófica diante da vida, sem usar da capacidade de refletir e criticar, não somos tão diferentes de qualquer animal ou de uma folha que cai duma árvore, que para onde quer que o vento sopre, a leva junto sem qualquer resistência.

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