O futebol, a modernidade e o Luxa


O mundo é uma constante torrente de transformações, algo que era há algum tempo atrás, agora pode ser apenas resquício, ou simplesmente não ser mais. Tenho dificuldade em usar o termo evolução, quando ele sugere melhoria, porque certas evoluções podem não ser para melhor.

Trazendo o olhar para o futebol brasileiro, isso fica claro quando se fala com saudosismo dos velhos tempos, da época de Pelé, Garrincha, Ademir da Guia, Falcão, Zico, Maradona, Sócrates, Júnior, Djalminha, Romário, Ronaldo _ e tantos outros que não cabem aqui _ em comparação com o deserto de grandes esquadrões, e de craques surgidos no atual século.

Os tempos passaram, e o futebol desde seus regramentos internos (cartões, impedimento, substituições, etc) até todas as áreas que o rodeiam também mudaram: a medicina esportiva, a fisiologia, a alimentação, a imprensa, o mercado e todas as tecnologias ligadas a estas áreas, além de claro, mudanças nas sociedades do mundo.

Se antes, armar uma cozinha competente o suficiente para não tomar gols, e deixar a bola nos pés dos craques lá do ataque que estes resolviam a peleja, hoje isso tem se tornado cada vez mais insuficiente.

A força física, aliada com a estratégia de jogo que aumenta cada vez mais a divisão do trabalho de cada atleta em campo, faz com que jogadores fortes e medíocres possam executar tarefas simples, com pouca necessidade de pensar, apenas decorando e repetindo movimentos que aprendem nos treinos. Os treinadores que melhor dominarem essa arte de orquestrar os movimentos de seus atletas, nas diversas situações que se colocam dentro do jogo, são os que terão mais êxito.

Luxa

O ex-técnico do Palmeiras, Luxemburgo, é considerado polêmico pela imprensa brasileira. Eu poderia concordar com o termo, mas a questão é que a alcunha de "polêmico", normalmente tem a intenção de logo de cara, desligitimar certas figuras, e dizer que estas são folclóricas e não devem ser levadas tão a sério assim. E ás vezes estas polêmicas, são simplesmente visões de mundo distoantes de um certo pensamento único ou senso comum.

Por outro lado, não faço ode a certas figuras simplesmente porque emitem opiniões distoantes, o conteúdo discursivo em todos os casos deve ser avaliado. Há que se desconfiar de pessoas sinceras demais ou assépticas demais.

Voltando ao Luxa, o ex-treinador, no comando do alviverde de janeiro até outubro de 2020, com 36 partidas oficiais, sendo: 17 vitórias, 14 empates e 5 derrotas; além de um título _ que mereça menção _ que é o Paulista, ganhando do maior rival alviverde, o Corinthians.

Quem pôde acompanhar o time durante este ano, percebeu que em momento algum o treinador conseguiu fazer o time jogar bem. Ou eram vitórias contra times bem fracos, vitórias muitas vezes com gols de total competência dos atletas (com chuveirinhos, chutes de longe ou bolas rebatidas) sem que fossem jogadas trabalhadas, e vários empates em que o time fazia um gol, recuava, e no final acabava sendo castigado.

Acho justo quando o treinador, como nesta reportagem, critica o futebol "cintura dura" e robotizado que se pratica na Europa, e pede que o Brasil não abandone suas raízes, seu futebol criativo e improvisado. Mas ele no comando de um dos elencos mais caros do Brasil, não foi capaz de sequer chegar perto disso. E pior, no final do trabalho, responsabilizou os jogadores, quando disse que o time não podia se apoiar só nos garotos e que precisava de reforços. 

O "Cebolismo", com os mesmos atletas, em poucos jogos, ainda que jogando de forma reativa, conseguiu uma sequência de vitórias e ainda mostrar que tinha capacidade de organizar o elenco de forma minimamente competente.

Currículo

O termo latino curriculum vitae, no nosso latim vulgar quer dizer: trajetória de vida. E trajetória aponta para outros sentidos: trajeto, percurso, caminho. Como é da natureza dos seres vivos, a trajetória da vida começa ao nascer, passa-se por um desenvolvimento, chega-se a um auge, e inevitavelmente vem o crepúsculo e o fim.

O chamado currículo, tal como usamos no mundo profissional, registra determinados eventos na trajetória dos trabalhadores. E se numa certa época este profissional foi de um sucesso tremendo, que gerava ótimos resultados para si e para seus patrões, pode ser que este desempenho em algum momento acabe fenecendo. É normal. O registro histórico estará lá, inabalável! 

Mas não quer dizer que reflita a realidade presente.

Não apenas o treinador, mas muita gente da imprensa esportiva a todo momento fazia menção ao passado vitorioso do treinador. E tudo bem, legal, é um baita currículo. Mas na década de 2010 não há nenhum trabalho em que o treinador tenha como boa referência.

Não há desrespeito com sua história, muito pelo contrário, seu currículo fala por si. Mas quando se fala do presente, do aqui e agora, o que deve ser levado em conta é justamente as capacidades deste presente. Não quer dizer que ele deva pedir o boné ou algo assim, mas que deve conhecer melhor a si próprio, e reavaliar suas competências de acordo com critérios atuais, e não de um passado distante.

É um erro de avaliação que times de futebol não poderiam mais se permitir. Apostar puramente no passado, nas tradições, em coincidências, em sonhos, é bonito, romântico, porém faz parte de um pensamento mágico que não poderia mais ter lugar nos dias de hoje.

Não entender, ou negar, que tudo muda, é o primeiro erro que qualquer pessoa pode cometer, ainda mais nestes tempos de rápidas transformações sociais e tecnológicas. 

Concordo que sim, é um mundo louco onde as transformações são mais rápidas do que o tempo que temos para nos acostumarmos a elas. Contudo este texto versa sobre como as coisas estão, e não gostaríamos que elas fossem.

Atualização

Na última terça feira (10) o Internacional do Rio Grande do Sul anunciou a vinda de Abel Braga, para preencher a vaga deixada por Eduardo Coudet que foi-se para o Celta da Espanha.

Abel foi campeão da Libertadores e do Mundial em 2006 com o Inter, e seu último grande trabalho foi no Fluminense em 2012, ganhando alguns títulos, entre eles o Campeonato Brasileiro _ cujo elenco ficou conhecido como "time de guerreiros".

O clube repete o mesmo expediente do Palmeiras, e aposta no passado, em um treinador de grande nome e currículo, mas que há muito tempo não tem feito mais bons trabalhos. 

O Flamengo no ano passado foi um exemplo. O trabalho de Abel era tão ruim, que mesmo com um baita elenco nas mãos, colocava em campo um time reativo, que jogava mal _ inclusive fazendo parecer que o elenco não era bom o suficiente. Jorge Jesus entrou em seu lugar, e mudou o patamar do time, ganhando quase tudo que disputou desde então.

O Inter neste momento é o líder do Campeonato Brasileiro, está nas oitavas da Libertadores, e nas oitavas da Copa do Brasil (perdeu o primeiro jogo, em casa, para o América-MG). Vamos ver como mais um clube de peso no cenário nacional se sai, apostando no passado.

Referências

UOL - Luxemburgo critica seleção com "cintura dura" e ataca "futebol moderno" https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2019/09/05/luxemburgo-critica-selecao-com-cintura-dura-e-ataca-futebol-moderno.htm

Goal - Números sustentaram - e condenaram - trabalho de Luxemburgo no Palmeiras

https://www.goal.com/br/not%C3%ADcias/numeros-sustentaram-e-condenaram-trabalho-de-luxemburgo-no/1648ye3atjmth1of4br3cuwhf3

G1 - Inter anuncia a contratação do técnico Abel Braga até fevereiro de 2021

https://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/internacional/noticia/inter-anuncia-a-contratacao-do-tecnico-abel-braga-ate-fevereiro-de-2021.ghtml

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