Entre o Paulista e o paulistinha

Palmeiras campeão paulista em 1994

Última sexta, 29, o Palmeiras, último campeão paulista em cima do rival Corinthians, foi eliminado * da competição após derrota para o Inter de Limeira.

A eliminação parecia encaminhada, e antes mesmo dela acontecer, um debate passou a fermentar nas redes e na imprensa esportiva: é vexame essa eliminação ou não?

No final do texto eu dou meu pitaco sobre o que penso, mas antes, gostaria de refletir justamente sobre os campeonatos estaduais, e como chegamos a este ponto onde um clube tão grande simplesmente parece desprezar uma disputa.

Mudanças no mercado da bola

Sou daqueles favoráveis a dividir o futebol em eras, algo como "Era Pré-Clássica" (antes da segunda guerra mundial), "Era Clássica" (pós guerra até final dos anos 1980), e "Era Moderna" (anos 1990 em diante). Dito isso, considerando apenas a Era Moderna, os campeões paulistas fora do grupo dos 4 grandes foram: 1990 - Bragantino; 2002 - Ituano; 2004 - São Caetano; 2014 - Ituano.

Esse fenômeno da monopolização dos títulos estaduais não se dá apenas em São Paulo, se dá praticamente em todos os estados do país. Para ficar em dois exemplos, no Rio Grande do Sul, desde os anos 1950 apenas 3 equipes (1 título cada) quebraram o monopólio de Inter e Grêmio. No Rio de Janeiro, o Bangu levou em campeonato carioca em 1966, depois dele, só os grandes venceram o torneio.

Com isso temos evidências de que tais torneios sempre foram dominados pelos times que estão na série A (e às vezes B) do futebol nacional. Mas se sempre foi assim, porque só agora nos últimos anos, estes campeonatos têm perdido a relevância?

Talvez isso tenha a ver com várias mudanças no mercado da bola e consequentemente no calendário. 

A Libertadores e o Mundial de Clubes, depois de vencidos pelo São Paulo nos anos 1990, passaram a ser torneios mais cobiçados pelos grandes clubes do país. Tanto que os clubes mais fortes fazem seu planejamento sempre visando disputar a competição. Claro está que há a questão da premiação, o pagamento de direitos de transmissão das TVs, a renda dos torcedores, etc.

Desde 2003, temos o Campeonato Brasileiro (série A e B) de pontos corridos, que atualmente com 20 equipes tem 38 rodadas onde todas as equipes se enfrentam em casa e fora.

O calendário ainda contempla Copa do Brasil, Copa Sul-Americana para os que não se classificaram para a Libertadores, campeonatos regionais como a Copa do Nordeste e as datas-Fifa, geralmente reservadas para jogos de seleções nacionais. 

Outra questão sempre importante se tratando de Brasil, é a logística. O Brasil não é a França ou a Itália que são menores de que alguns dos nossos estados. As viagens tomam um bom tempo e geram desgaste dos atletas, que no meio de tantos jogos, precisam além dos treinos físicos, táticos e de fundamentos, precisam também de descanso.

Há que se considerar um período de pré-temporada, além das férias dos trabalhadores do futebol.

Como fazer caber tudo isso dentro de uma temporada apenas?

É nesse cenário de campeonatos que trazem uma renda e status maior para um clube, e de um calendário praticamente impossível de ser cumprido de tão comprido, que os clubes precisam fazer escolhas: Entre uma Libertadores e um campeonato estadual, nos dias de hoje, é óbvio saber em qual torneio o treinador vai poupar jogadores para entrar com força máxima no outro.

A Copa do Brasil é vista como muito interessante, porque tem uma alta premiação e ainda leva o campeão para a Libertadores do próximo ano.

A situação é tão crítica, que os clubes têm poupado jogadores no Campeonato Brasileiro, para colocar força máxima, independentemente da fase, na Copa do Brasil ou na Libertadores. E isso gera inclusive uma certa sensação de que este campeonato é menos importante do que os demais.

Agora pensemos: se o campeonato brasileiro, o principal campeonato do país, chega a ser desprezado, imagina um torneio estadual...

Os clubes do interior

Eu não acredito ter conhecimento suficiente sobre o tema, mas me parece que a simpatia que geralmente os clubes do interior despertavam nos cidadãos da cidade a que pertencem tem diminuído cada vez mais. Era comum encontrar pessoas que diziam torcer para o time da cidade, além do time da capital (mais o Santos). 

E talvez porque os times do interior têm se tornado cada vez mais fracos nas últimas décadas, com cada vez menos chances de disputar contra os grandes, esse debate da (ir)relevância do estadual ganha cada vez mais força. 

Não posso desprezar também a influência do futebol internacional (europeu) que tem adentrado cada vez mais as casas dos brasileiros, criando inclusive torcedores brasileiros de times estrangeiros.

Ainda não consigo também avaliar o impacto que tudo isto tem nas novas gerações de torcedores, porque é preciso considerar que elas estão cada vez mais distantes dessa "era de ouro" dos estaduais, e cada vez mais mergulhadas na globalização do esporte como um todo.

Palmeiras: Foi vexame?

Eu acho que foi.

Um clube com o investimento que tem, com um time reserva com Willian Bigode, Felipe Melo, Wesley, Scarpa e cia, não tem desculpa para perder dos fraquíssimos times do interior. Até o Corinthians na crise que anda, tem um time titular pior do que o reserva do Palmeiras, e ainda sim se classificou vencendo quase todos seus jogos, ainda que jogasse mal.

Se o clube de fato entender que o torneio não tem importância nenhuma (e quanto a isso concordo, acho que não tem importância mesmo, para nenhum clube grande), deveria fazer como o Athlético fazia no Paranaense, apenas escalar o time sub-23. E se ganhar, se limitar a parabenizar os atletas pela conquista, e só. Tipo como ganhar uma Copa Mickey: ergue o troféu protocolarmente, sem necessidade de comemorações. Isso sim é tratar o torneio com a importância devida.

Chamar o torneio de paulistinha quando perde, é muito conveniente. É o tipo de conveniência que aqueles que não querem ser criticados adoram.

Agora, apesar do vexame, essa eliminação foi boa para o clube? Sim, pode ser boa. Se o período livre for muito bem aproveitado para desenvolvimento do time, com aumento de repertório, com variações táticas e o escambau, ótimo! Faça-se desse vexame algo com que a torcida palmeirense possa se orgulhar mais adiante.

[* praticamente eliminado, tem uma chance muito pequena de se classificar, dependendo de muitos resultados de outras equipes.]

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