Finalizei a leitura do meu primeiro livro do português José
Saramago: Todos os Nomes. Tenho outros títulos aqui na estante, mas este me
chamou a atenção desde o momento que li sua contracapa no sebo. Dizia que possuía
um enredo kafkiano ao contrário, onde o personagem principal, um escriturário,
ia aos poucos se libertando das amarras dessa burocracia cometendo pequenos
delitos para chegar em seu objetivo.
Longe de ser um especialista em literatura, sou apenas mais um
leitor, entretanto, não posso deixar de falar sobre o estilo do autor azinhaguense.
Eu nunca li um texto com vírgulas separando quase todas as frases. Não há aspas
de pensamento, dois pontos, travessões nem me lembro de reticências, Em alguns
momentos vem uma vírgula, em seguida surge uma palavra com a primeira letra
maiúscula como se uma nova frase começasse, mas nada do ponto final. Os
diálogos e pensamentos eram divididos por vírgulas mesmo, de forma corrida,
tinha hora que não sabia quem falava, quem respondia e se se tratava de um
pensamento ou de uma ação. O fato é que com um pouco de paciência a coisa foi
deslanchando.
Não se trata aqui de uma reclamação, e sim de constatação.
Eu achei massa ver um estilo diferente de se escrever, e quem sabe, eu até
comece a me inspirar, e encher os textos de vírgulas. Bom, se bem que como não
sou ele, a chance de a coisa sair ruim e mal compreendida é grande.
Falando da obra, seu nome faz menção a Conservatória Geral
de Registo Civil, que contém todos os nomes, dos vivos e dos mortos. Mas o
interessante aqui, é que ninguém na história tem nome, exceto o personagem
principal, o Sr. José, que além de ter um nome hiper comum em países falantes
da língua portuguesa, não tem seu sobrenome citado em momento algum. Isso de
certa forma, possa fazer justamente ligação com essa burocracia, que não vê
nomes, mas sim, números e cargos. As pessoas que se relacionam com o
protagonista ao longo da trama são mencionadas apenas por suas funções sociais:
chefe, auxiliar, mãe, pai, mulher desconhecida, motorista, padeiro, etc.
Outra figura dessa burocracia, é o uso do fio de Ariadne dentro
da Conservatória para se mover por ela. Como o lugar é grande, e a organização
dos registros é complexa, usam este fio para saber por onde passaram, no caso
de perderem-se nos corredores.
Entre os vários temas que poderiam ser levantados nessa
história, para mim, o mais interessante é o renascimento _ ou seria nascimento?
_ do Sr José. Sua vida é uma extensão do seu trabalho, e eu diria literalmente,
porque a casa onde vive, é colada na Conservatória, e ligada por uma porta,
onde ele e o chefe possuem a chave.
É um cinquentão que vive só, sem amigos, sem família, sem esposa
e nada de interessante lhe ocorre, vive uma rotina opressiva no trabalho, e
fora dele é a mesma coisa. Seu único hobbie era coletar informações sobre
pessoas famosas. E, o genial Saramago, nos oferece outra pitada do inesperado: a
vida do Sr José começa a tomar rumos inesperados quando encontra justamente o
verbete de uma mulher desconhecida.
A possibilidade de conhecer essa mulher desconhecida
toma-lhe, pouco a pouco, por completo. Ele se apaixona por essa ideia, e essa
paixão o leva a fazer coisas que jamais cogitou em sua vida. Começa a mentir,
roubar, falsificar, invadir, faltar ao trabalho, violar documentos, danificar
patrimônio público, cometer pequenos crimes, nada que prejudique tanto assim a
outros. E tudo isso para descobrir mais sobre essa moça.
É visível a transformação de personalidade da personagem,
que de um mero escrivão covarde e subserviente, começa aos poucos a tomar posse
de si, e vai se tornando alguém determinado, que tem um objetivo e a ele não
abandona, custe o que custar.
Uma história que parece ser sobre vida de um homem da burocracia
de uma repartição pública, vai se tornando uma história sobre a chama da paixão
acesa num homem da cinzenta burocracia.
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