Torcer contra



A Copa do Mundo está em andamento, e entre os vários temas abordados, temos um que vai e volta toda vez que a Seleção brasileira está em campo: brasileiros que torcem contra a amarelinha.

Esse tema recorrente, está ligado a outro subjacente: "por quem devemos torcer?"

Não foi incomum ver postagens dizendo que temos que torcer para x ou y, pelas mais diversas razões, sejam elas questões históricas, políticas, econômicas ou sociais: tem que torcer contra o Catar, por causa de questões LGBT; tem que torcer a favor dos países latino americanos, exceto a Argentina; tem que torcer contra os europeus, mas menos contra os europeus que sofreram na guerra x, e por aí vai.

Sinceramente não gosto muito desse lance de ombudsman de torcida, de ficar apontando dedos para as pessoas e dizer a elas para quem devem ou não torcer. Porém, acredito que investigar o fenômeno "por quem torcemos e por quê" seja mais frutífero.

Torcer é algo muito emocional e complexo. Muitos fatores influenciam essa torcida, e o mais legal, é que isso pode mudar de uma hora para outra, mesmo dentro de um mesmo jogo. 

Lembro de um jogo, São Paulo 0 x 0 Corinthians, em 2006, onde o alvinegro teve dois jogadores expulsos e mesmo assim conseguiu manter o resultado. Essa foi a primeira vez que eu, palmeirense, me peguei torcendo a favor do time do Parque São Jorge. Em tese, eu deveria não me importar com quem vencesse ou perdesse o jogo, por que ambos os times são rivais do Verdão. Porém, ao ver que um time tinha dois a mais, me fez, sem querer, torcer para que o outro ganhasse. No fundo, era aquela vontade de depois chegar num tricolor, e tirar uma onda da cara dele "conseguiu perder com dois a mais?!! que vergonha!!!".

Já torci contra o meu próprio time, quando por exemplo, eu queria que o técnico fosse embora. A última vez que isso aconteceu, foi há dois anos, em 2020, quando Vanderlei Luxemburgo, o pofexô, estava há 10 meses no comando técnico e não conseguia fazer o time engrenar. O time perdeu um jogo terrível do Coritiba, por 3 a 1, em casa. Era visível a falta de vontade da equipe e que o treinador não dava mais conta de comandar o elenco. Ele foi demitido após o jogo, Abel Ferreira assumiu um mês depois, e o resto é história. 

Falando de Seleção brasileira, a coisa é ainda mais complexa, imagine o cenário: o selecionado brasileiro é organizado por uma instituição corrupta e que pouco ou nada faz pelo bem do futebol brasileiro, a CBF. Essa entidade privada, organiza amistosos sempre fora do país, visando mais lucro, o que não aproxima o seu torcedor dela. Essa entidade, mantém laços estreitos com a empresa de mídia mais poderosa do país: a Globo. A maioria dos jogadores desse selecionado, jogam em clubes fora do Brasil (por razões óbvias, jogam nas melhores ligas) e isso afasta mais ainda o povo da Seleção, por que muitos desses atletas não são conhecidos do grande público. A maioria dos atletas, que ganham grandes salários e vivem fora do Brasil, desconhecem ou sequer ligam para o país onde nasceram, e pouco ou nada fazem por ele. E quando decidem se posicionar, o fazem unicamente por seu próprio interesse.

Somando isso, com a luta de classes brasileira, suas contradições e polarizações, isso faz com que muitas pessoas confundam o escrete canarinho, com os próprios problemas do país.

A Copa de 2014 no Brasil foi um exemplo disso. Muitos foram contra a realização do evento no país, por seus gastos serem considerados absurdos e secundários, diante de tantas coisas a se fazer. E isso fez com que estendessem esse sentimento crítico à própria Seleção. Ou seja, muitos dos que eram contra a Copa, se sentiram no dever de torcer contra a Seleção.

Isso se repete, por outras razões, em 2022, mas agora pela extrema direita. Muitos dos criminosos golpistas que estão em frente aos quartéis, estão contra a Seleção, por entenderem que, depois da derrota eleitoral do protofascista, este seria o momento de lutar pelo Brasil (seja lá o que eles querem dizer com isso) ao invés de ficar celebrando o "pão e circo".

O interessante, no entanto, é notar, que se o candidato do PT tivesse perdido a eleição, a extrema direita teria abraçado mais carinhosamente a Seleção, e tentaria fazer dela um símbolo, como aliás, já vinha fazendo há um bom tempo _ mesmo eles não gostando nem um pouco do treinador, Tite.

Eu por várias vezes já torci contra, depois a favor, e depois contra de novo. No dia do fatídico 7 a 1, quando o placar estava 4 a 0 para os alemães, eu passei a torcer, de raiva, para que eles fizessem mais gols. 

Na real, não sinto que seja algo que está no meu controle.

Para finalizar com um último exemplo, ontem mesmo isso aconteceu. Estava torcendo para que a Polônia vencesse a Argentina e o México vencesse a Arábia Saudita, eliminando assim os hermanos. Porém, no decorrer do jogo, a covardia dos poleneses me irritou muito, mesmo eles tendo um dos melhores atacantes do mundo, só se defendiam, e não deram nenhum chute no gol _ apenas um para fora _ durante o jogo todo. Com essa postura, passei a torcer que levassem uma goleada dos argentinos, e que eles fossem eliminados, o que não aconteceu, infelizmente.

E talvez essa mistura de sentimentos, essa profusão de afetos, essa combinação entre jogo e vida, entre a simplicidade de correr atrás de uma bola, e as paixões derivadas disso, é que fazem o futebol ser tão emocionante como ele é.

Torcer pode não ser um ato completamente emocional, mas de racional, porém, tem muito pouco.


Links

GE - Coritiba vence Palmeiras em SP, e Vanderlei Luxemburgo é demitido

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