Você citou como exemplo uma adolescente que mandou 3.000
mensagens de texto em um mês (média de 100 mensagens no dia ou 1 a cada 10
minutos do tempo que esteve acordada ) como se fosse algo absurdo. Bom, isso
ficou para trás, não é mais tão absurdo assim, isso também já mudou, coisas do
mundo líquido...
Com a melhora da renda das pessoas, baixo preços dos
produtos, melhora dos smartphones e do aumento da distribuição da internet, as
pessoas estão conectadas a rede a qualquer momento em quase todos os lugares _
pelo menos nas grandes e médias cidades. Além disso, temos vários aplicativos
de comunicação instantânea que nos permitem conversar com quem quisermos, na
hora que quisermos (isso você já disse, mas preciso repassar para melhorar a
narrativa).
[Quantos aplicativos
de mensagem instantânea existem no seu smartphone? Quantas mensagens envia num
mês?]
Dito isso, posso concordar que de fato não estamos mais
sozinhos, que entre uma atividade cotidiana e outra, estamos com os dedos na
tela falando com alguém, e normalmente falando coisas desimportantes.
Como filho único, estive acostumado a passar longos períodos
(semanas) sem me comunicar com alguém, mas tenho percebido que não é mais como
antes. Hoje em dia se passo muito tempo (horas) sem estar online, me vem uma
angústia de querer ver se alguém falou comigo (quando eu tenho quase certeza
que ninguém veio falar) ou se recebi algum e-mail, mesmo que um spam de uma
loja virtual me vendendo algo que não tenho dinheiro para comprar.
É cada vez mais difícil me dedicar a atividades como ler um
livro, escrever alguma história, visitar algum amigo ou parente, praticar
alguma atividade física, porque boa parte do tempo é consumida trocando mensagens,
e eu diria mais, também assistindo a vida dos outros num canal de youtube ou na
linha do tempo de alguma rede social.
As crises de abstinência de internet são cada vez mais
comuns. Você precisa ver a celeuma que foi gerada quando o what’s app foi
tirado do ar por algumas horas. As pessoas esbravejavam e amaldiçoavam o juiz,
como se ele tivesse feito algo extremamente grave. Reação parecida aconteceu
com o anúncio da Anatel de permitir o controle de franquia pelas prestadoras, porque
ficar sem internet ou ter que usá-la de forma racionada se tonou inadmissível.
[Não estou entrando no
mérito da atitude do juiz ou da Anatel, só estou analisando a reação das
pessoas quanto aos eventos.]
Acho que o conceito de solidão pode ser repensado. Porque se
estou em casa há dias sem ver alguém de verdade, de carne e osso, não posso
dizer o mesmo da internet, pois há alguns minutos conversei com várias pessoas
individualmente ou em grupos, e nessa hora, a sensação de solidão não existia.
A companhia virtual [e
virtual é aquilo que não é real] cria um efeito real sobre a noção de
solidão, e acho que é isso que diminui o vazio que sentimos. Com o tempo parece
que esse efeito se sobrepõe sobre a solidão da realidade.
Explico melhor: imagine
uma roda de amigos num bar, cada um destes amigos tem um smartphone em suas mãos,
e todos eles estão mudos, trocando mensagens com outras pessoas que não estão
ali, ou até, mais bizarro ainda, trocando mensagens entre si.
Isto está cada vez mais comum, e não é raro ver poucas pessoas
aborrecidas tentando conter este tipo de atitude de seus companheiros. E aí das
duas uma: ou a pessoa se aborrece muito e deixa o recinto, ou ela mesma pega o smartphone
e faz como os demais. Se não pode vencer...
No sexto parágrafo, você usou a palavra contato entre aspas
e isso me fez pensar como estamos reduzindo a intimidade ou profundidade das
nossas relações com as pessoas.
Estamos instrumentalizando nossas relações com as pessoas,
ou seja, o outro (o contato) para mim é um meio de se atingir um determinado
objetivo. Em administração tem até um nome bonito para isso: networking. Eu
ouvi essa palavra pela primeira vez, quando não fui selecionado num processo
seletivo interno de uma empresa, porque para preencher aquela vaga não bastava
ser competente o suficiente, tinha que conhecer as pessoas certas _ e há quem
acredite em meritocracia, veja só você haha.
Desculpe ter fugido do assunto, mas precisava mostrar que ao
mesmo tempo em que pouco conseguimos estar a sós conosco mesmo, estamos
degradando nossas relações, tanto com as pessoas mais queridas, tanto quanto
com pessoas desconhecidas, que se tornam mero instrumento, um contato, que tem valor apenas enquanto tem utilidade.
E essa degradação passa pelo que você disse, porque se hoje
há possibilidade de termos dezenas, centenas de contatos, podemos escolher com
quais deles falar. Se alguém me aborrece, posso simplesmente não conversar
mais, nem preciso perder tempo tentando dialogar, porque se temos mais tantas
opções, porque perder tempo com apenas uma?
Se não quer conversar com ninguém, troca o status, fica em
modo avião e não responde, e assim, quando quiser voltar, volta. Sem medo, sem
dificuldade, sem problemas.
De fato, parece o paraíso na Terra, e eu sinceramente não
sei qual o preço vamos pagar por tanta interação virtual.
Se bem que eu tenho alguns indícios de que já estamos pagando
por isso:
Pessoas que tiram fotos de si mesma a todo o momento e postam
em redes sociais. Parece um grito de socorro, alguém que ou não gosta de estar
a sós consigo mesmo, ou simplesmente não faz ideia de que isso seja possível.
Parece que a pessoa deixou de viver para si, e começou a viver da imagem que
faz de si mesma perante os outros, e para satisfazer esta expectativa, a pessoa
tem que reiteradas vezes alimentar esse personagem de quem ela se tornou
escrava.
Foi isso mesmo que eu disse: há pessoas se tornando escravas
de seus próprios personagens, ou para colocar no contexto das redes sociais, de
seus perfis.
Outros efeitos que vejo são a falta de comprometimento nas
relações, o alto nível de desapego, aumento dos divórcios e casamentos que
duram muito pouco e amizades que duram pouco. E a falta de diálogo com aqueles
que pensam diferente e certo isolamento em grupos ideológicos _ que já tem quem
chame de bolhas ideológicas.
A grande dúvida que fica, é como vamos lidar com os efeitos
que a vida virtual tem sobre nossa vida real, ou se já não há mais diferença. E
dado que não há mais diferença, quais devem ser as dinâmicas dessa nova forma
de sociabilidade para que não entremos numa crise de depressão coletiva?
Essa fica para você.
Saudações, de seu leitor.
Este post é uma resposta
para uma das cartas que Zygmunt
Bauman publicou na revista italiana La
Repubblica delle Donne entre 2008 e 2009, que depois foram reunidas e
editadas para o livro 44 Cartas
ao Mundo Líquido Moderno (Zahar).
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