Purificar e Destruir

"Eu sou o ser mais pacífico possível. Meus desejos são: uma modesta choupana com cobertura de palha, mas possuindo uma boa cama, boa mesa, leite e manteiga bem frescos, com flores nas janelas; diante da porta, algumas belas árvores. E, se Deus misericordioso quiser me deixar realmente feliz, que me conceda ver uns seis ou sete, mais ou menos, dos meus inimigos enforcados nessas árvores. Com o coração comovido, perdoarei, antes de morrerem, todas as ofensas que me fizeram em vida – pois, é claro, os inimigos devem ser perdoados, não antes, porém, de estarem enforcados." Heinrich Heine

Estou lendo o livro Purificar e Destruir do professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o francês Jacques Sémelin, que fala sobre os usos políticos dos massacres e dos genocídios.

Em mais de 500 páginas ele explica como acontecem os genocídios e massacres, se amparando em três exemplos: ruandeses hutus contra tutsis, sérvios contra bósnios e nazistas contra judeus.

Na introdução do livro (pág 19) consta uma importante série de questionamentos quanto a estes eventos.

"Como isso pode acontecer? Como se pode, assim, chegar a matar milhares, dezenas de milhares, até mesmo milhões de indivíduos indefesos? E por que, além disso, fazê-los sofrer, violentá-los, martirizá-los antes de destruí-los?"

Logo de cara o autor tenta afastar as Falsas Pistas, ou seja, os genocídios nunca acontecem por um único motivo, existe uma grande distância entre querer fazer algo (matar) e o ato propriamente dito.

Ele descreve o cenário econômico degradante destes países: a Alemanha que já tinha problemas após a perda da primeira guerra, acumulou-os com a quebra da bolsa de New York em 1929; a Iuguslávia formada por vários povos (croatas, sérvios, bósnios, eslovenos...) sofreu com a crise do petróleo nas décadas de 70 e 80; a Ruanda a partir dos anos 80, um país agrícola que não conseguia acompanhar a produção com seu aumento demográfico. Com isso a situação destes povos era incerta.

Este cenário de crise dará a alguns aproveitadores a chance de se promoverem. O primeiro passo é a transformação da angústia das pessoas em relação ao futuro em medo. Mais do que medo em qualquer coisa, é medo de um inimigo, aquele que é o culpado pelo sofrimento daquele povo, assim, transformando o povo sofredor "nós" em vítimas.

Após a transformação do "nós" em vítimas, o inimigo passa a ser identificado e surge a necessidade da destruição deste inimigo para que o "nós" possa triunfar sobre a crise que o abate. Outro inimigo também deve ser identificado e se preciso, eliminado: aquele que é um de "nós" mas não pensa como "nós", o traidor.

Na Alemanha houve a demonização dos judeus por parte de Hitler e sua corja, apoiados por um forte esquema de propaganda do ministro Goebells . Na Ruanda houve a demonização dos tutsis por parte dos hutus, duas etnias diferentes no mesmo país. Na Sérvia a igreja e o grupo de Slobodan Milosevic fizeram crescer o medo dos povos vizinhos da Iuguslávia.

Intelectuais tomam a frente criando uma solução para que o "nós" possa triunfar contra o "eles", o inimigo.

Aqui o autor faz uma importante observação: "Com toda evidência, a educação do ser humano é o meio de libertá-lo da miséria, de ampliar seu conhecimento de mundo e de lhe fornecer os instrumentos para agir mais eficazmente, conhecendo as suas leis. No entanto, a cultura não possui, em si mesma, a faculdade de conduzir o homem a se libertar da violência. Pelo contrário, pode lhe dar meios para ser mais engenhoso no exercício da violência ou até mesmo da crueldade". "A instrução não torna o homem melhor, torna-o mais eficaz. Quem pretende insuflar o mal terá vantagens se conhecer as manias do homem, se entender sua moral, se dominar a sociologia. O homem instruído, se tiver o coração mal concebido, transbordante em ódio, será mais maléfico".

Despertar o rancor de antigos conflitos, destacar pequenas diferenças, ofender e animalizar o inimigo, criar mitos religiosos e sociais: a propaganda faz um grande papel deixando o ambiente mais hóstil do que deveria e tenta colocar na cabeça das pessoas que realmente há um inimigo e que ele deve ser odiado, e se a situação piorar, abatido.

A informação, claro, só é absorvida por aqueles que tem pouca capacidade crítica e a recebem, e interpretam como verdadeira. O grande problema não é o envio de informação, e sim sua recepção. A resistência das pessoas diminui, às vezes não por que ela crê naquela rivalidade, mas porque suas ideias viram voto vencido, ou seja, pensar diferente pode te fazer ser excluído da maioria da sociedade, é a espiral do silêncio, descrito por Elisabeth Noelle-Neumann.

"Quanto mais uma opinião for dominada dentro de um universo social, maior será a tendência de que ela não seja manifestada. Quando os meios de comunicação, diante de um escândalo político, impõem uma imagem desfavorável de seu protagonista, essa opinião será dominante no universo social que eles atingem. Apesar de haver vozes minoritárias discordantes, haverá uma tendência de que elas se calem.
Quando parte desse grupo se cala, a opinião discordante, que já era minoria, se torna ainda mais minoritária, e a tendência ao ao silêncio é ainda maior."

Por fim, até onde li (capítulo 2, página 156) havia ainda a decomposição do laço social e o papel do terceiro.

O papel do terceiro diz que no meio do caos, que em uma situação de violência nunca é vista de forma completa, sempre há terceiros, pessoas querendo ajudar os perseguidos sem serem notados. Sem estes terceiros, porém, a situação se complica.

A seguir viria a parte sobre o contexto internacional, isto fica para depois que ler esta parte do livro.

Bom fim de semana!

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