Sobre escrever e queimar


Quando tinha 14 anos consegui escrever um livro, 66 páginas falando sobre super heróis. Se eu soubesse desenhar teria sido muito mais legal, mas eu nunca soube, então ficou sem graça. Meu pai inscreveu o livro num concurso da prefeitura, onde os melhores livros seriam publicados.

E adivinhem só? O meu não foi.

Uma moça disse que gostou do que leu, mas não era o formato ideal para publicação, disse para eu não desistir e também para evitar o uso de palavrões, afinal, os livros eram para o público infanto-juvenil _ pelo menos um bom conselho eu ganhei.

Desde então, tentei escrever vários livros, mas coitados, mal chegava na página 20 e eles eram rasgados. Sim, rasgados. Para a geração Z eu explico: havia uma época em que nem todo mundo tinha computador em casa, então as pessoas usavam papel e caneta _ caso haja dúvidas deixe seu e-mail nos comentários que eu envio imagens de canetas e papeis no anexo.

Voltando ao raciocínio, eu nunca mais consegui fazer um livro. Descobri em mim um problema enorme que nunca consegui usar ao meu favor: a história ia mudando conforme o meu humor. Se eu estivesse feliz a história era feliz, se eu estivesse triste a história ficava triste e se eu estivesse puto a história ficava puta.

Com o advento (odeio essa palavra) da popularização da internet, eu deixei o papel e passei a escrever nos blogs. Devo ter criado uns 10 blogs e o único que consegui manter por mais tempo foi este aqui.

Mas basta olhar no número de publicações anuais para ver que eu tenho escrito cada vez menos. Só eu e os possíveis hackers podem ver, mas tenho inúmeros rascunhos de assuntos deixados pela metade. Sim, é a versão 2.0 de rasgar os livros, felizmente sem gasto de papel, agora se trata apenas do abandono e às vezes exclusão de um registro no banco de dados.

Já quis apagar este blog inúmeras vezes, já troquei o layout várias vezes na ilusão de achar que meu talento desabrocharia de uma hora para outra, que quiçá eu voltaria a ser o menino criativo de outrora e terminar aquilo que comecei, mas como podem ver, não funciona assim. Não depende da fonte ser comic sans, times new roman, verdana ou wingdings, o que depende é do talento, da paciência e da persistência da pecinha que fica entre a cadeira e o monitor.

A tecla delete e backspace são duas pragas nessa nova empreitada, pois elas não apenas servem para facilitar na correção de erros de gramática, servem para te fazer pensar duas, três, quatro vezes antes de colocar algo na tela. E muitos dos grandes pensamentos vem de dentro para fora, não sem reflexão, mas com reflexões que estão presas dentro de nós que apenas saem no disparo das teclas, e qualquer correção cria uma interrupção nesse processo.

Para fazer uma analogia simples, lembre que antigamente para tirar fotos, as câmeras tinham os filmes para 12, 24 ou 36 fotos, e devido a esta escassez (e ao preço), era preciso ter muito cuidado ao tirar uma foto, era preciso a hora certa, o momento certo, a iluminação certa. Hoje em dia com as cameras digitais, tablets, smartphones as pessoas tiram fotos sem a menor hesitação, tiram 10 fotos para gostar de uma, e muitas vezes para não gostar de nenhuma.

No papel se pensa melhor antes de manchá-lo, se tem mais cuidado, no computador é muito mais fácil disparar bobagens e com uma simples tecla desfazer tudo.   

Parece que é uma das regras da vida, o ser humano só dá valor as coisas na escassez.

E vivemos uma era de excessos. Comemos demais, viajamos demais, bebemos demais, tiramos fotos demais, temos amigos demais, perdemos tempo demais, trabalhamos demais. E provavelmente não damos muito valor para nada disso.

Enfim, estas últimas linhas não tem muito a ver com o que comecei escrevendo, mas tem um motivo: estou um pouco cansado de seguir regras textuais que eu mesmo me imponho, estou cansado de não poder fugir do assunto sem ser zerado, e isso aqui não é redação do ENEM, é um espaço gratuito para defecação de ideias, ou se preferir, para divagações. 

Às vezes penso como seria minha vida se conseguisse terminar todos os livros que comecei, se seria menos angustiante do que é, ou se seria mais. Se seria melhor ser um escritor fracassado ou um eterno sonhador angustiado, se seria melhor queimar as mãos nas chamas do desafio ou apenas contemplá-las com as mãos frias e vazias.

Refletir muitas vezes é uma pratica de tortura, mas se não nos mata, pelo menos que nos fortaleça.


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2 Comentários

  1. E ai Ricardo...quando sai a resenha historica sobre o The Book of Souls ? Estou ansioso pra ler.

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