“Você me diz que seus pais não entendem, mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo. São crianças como você”.
Esta parte
da canção do Legião Urbana ilustra bem o assunto.
É bem assim
mesmo, os mais velhos acusam os mais jovens de serem mimados (entre outras
coisas) e os mais novos devolvem a acusação, os chamando de ignorantes (entre
outras coisas).
Para ficar
num exemplo simples, é comum ver em páginas de redes sociais as pessoas de uma
classe de idade, ficarem exaltando as coisas “de seu tempo” dizendo coisas como
“quem teve infância de verdade, fez x coisa”, como se houvesse algo como “infância
de verdade”.
E o mais
engraçado é que a diferença de idade nem é tão gritante assim. Não chega a ser
um idoso falando para uma criança, mas sim, alguém da faixa dos 30 falando para
alguém com metade de sua idade.
Não sei se é
sempre de má fé que isto é feito, ou se há de fato uma incapacidade de uma
geração não perceber as diferenças que tem da outra. Pela sua fala, a
incompreensão geracional é algo que de fato existe, e surpreende pelo fato que, se
antes era uma incompreensão entre uma criança e um idoso, agora é uma
incompreensão por pessoas de quase a mesma faixa de idade.
Acompanho
muito futebol, e já ouvi técnicos (idosos ou quase) reclamando que os atletas mais novos são
mimados, e que alguns deles faltam em jogo porque tem que estudar _ como se
isso fosse errado _ e em seguida dizem “porque no meu tempo... (qualquer coisa)”.
É a típica
frase de gente velha.
Não entende
a geração mais nova ou tem dificuldade em lidar com ela, e tenta em vão
recorrer ao passado. E não há muito que fazer, cada geração tem seus valores,
tem aquilo que ela considera como normal.
Outra coisa
que parece boba é a sensação de que as coisas da vida mudam.
“Ora, é
claro que as coisas mudam!”.
Por exemplo,
estava lendo uma reportagem de uma italiana que tem 116 anos. Se formos listar
todas as grandes coisas que aconteceram no mundo de 1899 até hoje, teríamos uma
lista enorme. Talvez uma lista maior do que de coisas que aconteceram entre os
anos 1.500 e 1.900, não tenho certeza.
E aí que a
obviedade sai de cena. Porque se hoje em dia tudo muda muito rápido, não
podemos dizer o mesmo de épocas passadas.
Pense em um
camponês na época do feudalismo. Tudo que ele aprendeu em sua vida, iria
repassar para seus filhos, e como sua vida foi praticamente a mesma, sem
grandes novidades, seus filhos, netos e bisnetos muito provavelmente teriam uma vida parecida com
a dele. A chance de algo mudar drasticamente existia,
mas era mais fácil como consequência de uma guerra do que através de algum
avanço econômico ou tecnológico.
Estas
diferenças da forma de pensar e agir de uma geração para outra sempre foram
evidentes, mas realmente, parece que a alta velocidade das mudanças no mundo
(ou diria: alta liquidez do mundo) cria abismos cada vez maiores.
Fico
pensando apenas, se hoje em dia com tanto acesso a informação, com o acesso aos
mesmos produtos, com os idosos adentrando a era digital e se unindo aos jovens
num mundo cada vez mais socialmente virtual _ onde o perfil conta muito _ se
não pode haver uma nova distinção da percepção entre novos e os velhos. Assim,
não contaria tanto a idade de cada um, mas sim a capacidade de se adaptar as
mudanças, onde aqueles que se adaptam estariam de um lado, e os que não, os
ultrapassados, ficariam para trás.
É como
quando você encontra um idoso que fala como jovem, que faz algumas coisas de
jovem, mas não no mundo real, e sim no mundo virtual, onde ele poderia reduzir
esta distância geracional.
Talvez eu esteja viajando... mas a ideia aqui é essa também.
E, antes de
encerrar, preciso dizer, no que diz respeito aos jovens do Brasil, desde 2013 os vemos (filhos e netos de quem viveu na
época da ditadura militar) dando exemplo de luta pelos seus direitos. Havia
quem pensasse que era fogo de palha, mas eles ainda continuam lutando nas ruas,
nas escolas, nas redes sociais. Se a cara da próxima geração for desta
juventude lutadora, espero estarmos num bom caminho _ se os mais velhos vão
entender e apoiar, não se sabe...
Saudações, de seu leitor.
Este post é uma
resposta para uma das cartas que Zygmunt Bauman publicou
na revista italiana La Repubblica delle Donne
entre 2008 e 2009, que depois foram reunidas e editadas para o livro 44 Cartas ao Mundo Líquido Moderno (Zahar).
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