No final do post Platão e a Oligarquia, eu deixei a seguinte questão: Quanto de democracia e quanto de oligarquia temos por aqui (no Brasil)?
Deixarei aqui quatro pontos que acredito serem importantes para a reflexão.
[Deixando claro, que é uma interpretação dos conceitos de Platão expostos no capítulo VIII da República. Estou ciente que existem outras definições mais modernas do termo].
I
Ofereci como argumento a seguinte informação: O 1% mais rico detém 27% de toda a renda no Brasil. Os 10% mais ricos detém da metade até 2/3 da riqueza.Imagine que temos uma pizza gigante... não, pizza não, porque não gosto de queijo. Imagine uma torta de frango gigante, dividida em 100 pedaços. Imagine agora que uma única pessoa chega e pega 30 pedaços só para ela! Esse 1 que pegou 30 pedaços, corresponde ao 1% de pessoas mais ricas do Brasil, que detém 30% de toda a riqueza.
Imagine agora outra torta gigante dividida novamente em 100 pedaços. Agora chegam 10 pessoas e pegam 66 pedaços da torta só para elas, sobrando apenas 34 para todas as outras 90. Estes 10 correspondem ao 10% de pessoas mais ricas do Brasil, que detém 2/3 de toda a riqueza.
Sócrates diz claramente que uma cidade oligárquica é dividida em duas: a dos ricos e dos pobres. A divisão da riqueza do país fala por si só. Somos sim, uma sociedade dividida em duas.
Basta observar os condomínios residenciais [que eu costumo chamar de "feudos modernos"], a gentrificação de muitas cidades _ muitas vezes com aval dos governos locais _ afastando os mais pobres para as periferias longínquas, onde aliás, não ficam seus empregos, fazendo com que se desloquem por horas para chegar ao trabalho.
Quem não se lembra dos rolêzinhos, no finzinho de 2013, início de 2014? Os donos dos shoppings não gostaram da ideia de um monte de adolescentes pobres entrando em suas dependências, e rapidamente recorreram ao braço do Estado, para impedir aquela invasão absurda!
Poderia falar das áreas vips, dos reis dos camarotes, e dos estádios padrões fifa que nos remetem ao Coliseu da Roma Antiga, dividido em arquibancadas para os plebeus (ou nem tão plebeus assim), e as tribunas para os endinheirados e donos do poder _ passa o tempo e as coisas pouco mudam.
Além da divisão da sociedade, Sócrates dirá que estas duas classes estarão sempre em conflito, conspirando uma contra a outra.
O financiamento de campanha por empresas privadas, colocam muitos políticos no bolso dos oligarcas _ isso quando os próprios políticos, são os oligarcas. O que espera um banco ou uma outra grande empresa, quando financia a campanha de um candidato? E mais, o que ele espera quando financia campanhas de políticos rivais?
É como dizem, não existe almoço grátis. Algum favor eles obviamente esperam dos "seus" congressistas.
Com isso, a teoria que os políticos são representantes do povo é completamente subvertida, pois eles se tornam representantes daqueles que os financiam. Ora, como praticar a democracia quando os representantes do povo se deixam sequestrar por interesses de uma minoria endinheirada, para seu próprio proveito?
Hoje em dia, com as relações promíscuas entre o capital e o Estado, é praticamente impossível dizer que as democracias são plenas e autônomas. Quando um Estado diminui direitos sociais, porque prefere pagar juros para banco, ele dá uma pequena mostra para quem ele está jogando. Com isso quero dizer, que por mais que temos a capacidade de eleger um candidato, não sabemos para quem ele irá de fato governar. Esse é o tipo de problema que torna nossa democracia oca.
II
Sócrates diz que o primeiro problema da oligarquia é que seus líderes não são escolhidos pela capacidade de comandar, mas pela quantidade de riquezas que possuem.Falando dos governantes, digamos que existe esperança, e que em meio a esse mar de candidatos, existam alguns que sejam bons e justos de verdade, e que estes podem ser conhecidos se a população tiver conhecimento suficiente. Nessa hora descobrimos que temos mais problemas.
E eles começam lá na escola, que é de baixa qualidade, que não tem estrutura adequada, onde os professores são mal pagos e muitos são despreparados ou estão desmotivados. Talvez os alunos até saiam da escola sabendo ler, escrever ou fazendo operações matemáticas básicas. Mas, ainda que alguém saiba ler um livro, jornal ou ouvir o que um apresentador de TV fala, isso não é nem de longe suficiente. A pessoa precisa mais do que isso, ela precisa entender o que está sendo dito, enquanto algo é dito, e também quando algo não é dito. Esse suporte apenas uma educação de qualidade e o senso crítico é quem podem dar.
Depois na fase adulta, o que fazer quando uma pessoa acorda todos os dias às 6 horas da manhã, trabalha e se estressa o dia todo, para chegar arrebentada às 19,20 horas, ter que cuidar da casa e dos filhos, ou ir para faculdade, ou ir encher a cara no bar para se livrar do estresse? Em qual momento dessa vida atarefada a pessoa tem espaço para pensar? Para entender de política? Para fazer política? Para instruir seus filhos?
É muito mais fácil, sentar-se à frente da TV, desligar o cérebro cansado, e absorver tudo o que datenas, bonners, hulks, faustões e pastores vomitam todos os dias. É mais fácil terceirizar a educação dos filhos para os professores, e a criação deles para os avós. É mais fácil dizer "'o inferno são os outros', porque eu trabalho, sustento esta casa, estou cansado e não quero saber de mais nada".
Como escolher bem um candidato se não temos o conhecimento necessário? Se as pessoas não sabem o que é, e nem tem tempo de praticar a cidadania?
E tudo isso deságua aqui. Será escolhido o candidato que tiver mais dinheiro e minutos de tv na campanha, aquele que tiver a melhor retórica, aquele que mentir melhor, aquele que falar tudo o que se quer ouvir, inclusive coisas preconceituosas. Se este candidato for sequestrado pelo capital ou não, ninguém se importa mais.
III
Sócrates diz que o valor maior de uma oligarquia é a riqueza, e por isso, as pessoas perseguirão a riqueza e honrarão as pessoas mais ricas, e as mais virtuosas serão pouco valorizadas.Lembro-me muito bem de uma capa da revista (não) veja, estampando um homem branco, vestido de chinês, com a frase ao lado "Enriquecer é glorioso". Esse homem, era ninguém menos que Eike Batista, que apesar de muito criticado hoje em dia, naquela época era visto como um modelo a ser seguido por muita gente.
Nas capas da falecida revista Alfa (uma revista para o público masculino [não pornô], também da editora Abril), não haviam pensadores, cientistas ou professores, mas artistas, esportistas e empresários _ o próprio Eike também foi capa dessa revista.
Estes homens e mulheres de negócios fazem palestras Brasil afora, escrevem livros, ganham até programas de tv ou quadros curtos, mostrando como qualquer pessoa (!!!) pode enriquecer, e se tornar como um deles, bastando apenas seguirem suas lições e se esforçarem.
As pessoas ricas são olhadas e tratadas com respeito pela maioria das pessoas pobres. Você dificilmente vê gente pobre com raiva de gente rica, aliás, é mais fácil ver gente rica com raiva de gente pobre. E creio que é porque o pobre quer ser como o rico, e este por sua vez, ou tem medo de ser como o pobre ou tem medo de perder suas riquezas.
Não é de se surpreender que quando uma pessoa pobre consegue "subir na vida" _ e essa expressão não diz respeito a um mero posicionamento topológico, diz respeito a uma condição social: quem é rico está em cima, e quem é pobre está embaixo _ ela muito provavelmente reproduzirá todos os costumes da classe dominante _ o que em parte explica a estranha origem do "pobre de direita".
VI
Sócrates diz que a democracia nasce do colapso da oligarquia, e isso se dá quando a acumulação e a exploração dos ricos se torna insuportável. E até quando suportaremos isso ?G1 - Conheça a história dos 'rolezinhos' em São Paulo
Pragmatismo Político - Professora da PUC debocha de 'passageiros pobres' em aeroporto
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1 Comentários
Ricardo,até hoje ninguém me deu a justificativa do por que a democracia é o desejável, pelo menos as pessoas a minha volta acham que isso é "dado" e óbvio que deveríamos ter a democracia como ideal, mas ninguém me deu uma justificativa ética ou moral racional.E ai vai um dos muitos problemas que eu tenho com a "democracia" assim como muitas outras formas de governo:
ResponderExcluir"
Somente pelo fato que a democracia tem se tornado uma vaca sagrada na política moderna pode-se
explicar o porquê da extensão com que a ideia de governo majoritário é conduzida com contradições internas
é quase geralmente omitida: primeiro, e isto já é decisivo, se a democracia é aceita como justificada,
então também deve ser aceita uma abolição democrática da democracia e uma substituição ou por
uma autocracia ou por um capitalismo libertário – e isto demonstraria que a democracia como tal não
pode ser tida como um valor moral. Da mesma forma teria de ser aceito como justificado se as maiorias
decidissem eliminar as minorias até o ponto onde houvesse apenas duas pessoas, a última maioria, pelo
que a norma de maioria não poderia mais ser aplicada, por razões lógico-aritméticas. Isto provaria novamente
que a democracia não pode, per se, ser considerada justificável. Ou, se não se quisesse aceitar estas
consequências e ao invés, adotar-se a ideia de uma democracia constitucionalmente limitada e liberal,
ter-se-ia ao mesmo tempo de admitir que os princípios de onde se derivam tais limitações devem portanto
ser logicamente mais fundamentais que a regra da maioria – e isto novamente iria apontar para o fato que
não pode haver nenhuma moral particular na democracia. Segundo, a aceitação da regra de maioria não
é automaticamente clara para a população com relação ao quê deve ser aplicada. (A maioria de quê população
deve decidir?) Aqui há exatamente três possibilidades. Cada uma se aplica ao princípio democrático
novamente com respeito a esta questão, e decide por optar pela ideia que as maiores maiorias devem sempre
prevalecer sobre as menores – mas então, obviamente, não haveria um modo de salvar a ideia de uma
democracia regional ou nacional, já que ter-se-ia de escolher a população total do globo como um grupo
de referência. Ou, decidir-se-ia que a determinação da população é uma matéria arbitrária, mas neste caso,
ter-se-ia de aceitar a possibilidade crescente de secessão das menores minorias das maiores, com cada indivíduo
humano sendo sua própria maioria autodeterminante, como o ponto final lógico de tal processo
de secessão – e mais uma vez a injustificabilidade da democracia, como tal, terá sido demonstrada. Terceiro,
poder-se-ia adotar a ideia que a seleção da população ao qual o princípio de maioria é aplicado não
é feita nem democraticamente, nem arbitrariamente, mas de alguma forma diferentemente – mas então,
novamente, ter-se-ia de admitir que qualquer que fosse este princípio diferente que viesse a justificar tal
decisão, deveria ser mais fundamental que a própria regra de maioria, e a regra de maioria deveria ela
mesma ser classificada como completamente arbitrária."