Aos 16 anos um dos meus brothers (amigo, não irmão) me ofereceu pela primeira vez um copinho de chopp, ele disse que pagava e eu acabei aceitando, e gostei do treco.
De lá para cá posso dizer que o álcool faz parte da minha vida, dos momentos com os amigos, nos botecos da faculdade, nos barzinhos, nos churrascos em família, no bate papo noturno com a namorada na calçada.
Ao mesmo tempo que ele relaxa a mente (e dá sono), causa uma estranha sensação de alegria e a realidade fica agradável. Os problemas perdem importância na medida que a quantidade de copos ou latinhas vão aumentando.
Tudo muito bonito.
Só que o tempo vai passando, e você incorpora aquilo a sua vida, se antes você pensava que beber em plena segunda feira era estranho, coisa de cachaceiro viciado _coisa que você não é _ depois você passa a não ligar para o dia da semana, e qualquer dia é dia, qualquer motivo vale: beber para esquecer, para comemorar, ouvindo música, porque seu time está jogando, porque é lua cheia, para acalmar e etcetera.
E o tempo vai passando...
O alcoolismo acomete de 10% a 12% da população mundial e 12% dos brasileiros adultos.
O Brasil possui 193.946.886 de habitantes, multiplicando esse valor por 12% (que pode ser maior), nós temos uma população de alcoólatras de 23.273.626, ou seja, mais que o segundo estado mais populoso do Brasil, Minas Gerais, que tem um pouco mais de 19 milhões de habitantes.
Um desses milhões de habitantes, é meu pai, um pernambucano de Olinda que veio de lá para cidade de São Paulo em 1975, aos 18 anos, com uma mão na frente e outra atrás procurando uma vida melhor em plena época do AI-5.
Aqui ele fez diversos cursos, aprendeu eletrônica, trabalhou em empresas como a Semp Toshiba e outras que não lembro o nome, onde consertava aparelhos de TV e rádio. Inclusive tem uns livros aqui em casa da época que ele fazia curso.
No seu primeiro casamento teve dois filhos, mas pelas histórias que eu ouço por aqui e ali, não deu muito certo, e por vezes reclamavam que a bebida o deixava violento e isso causou vários problemas.
Casou-se pela segunda vez, com a minha mãe, onde eu nasci desta união.
Meu pai, desde quando eu me lembro, sempre foi um cara honesto, gostava de tudo certo, não devia dinheiro a ninguém, falava o português correto e corrigia quem falava errado _ "puxei" isso dele _ era autodidata para muitas coisas, e quando não conseguia fazer, ia lá aprender e depois fazia melhor do que quem o ensinou.
Não deixava eu comer na sala para não sujar o sofá, até uns 13 anos de idade, às 8 horas da noite eu ouvia aquele assovio estridente maldito me chamando para entrar. Já me obrigou a treinar caligrafia, e quando eu falsifiquei uma advertência que ganhei na terceira série, não me castigou, me ensinou que da próxima vez eu podia confiar nele.
Tomava banho e passava perfume antes (!) e depois jogar bola! Sempre se preocupava com seu peso, corria e sempre estava arrumado. Conhecia quase todo mundo do bairro e era bem quisto na família.
Petista, palmeirense aqui, santacruzense em Pernambuco, gosta de Roberto Carlos, samba, pagolixo e sertanojo. Dizia-se cristão mas não ia na igreja e nunca eu o ouvia falando de deus _ só discutia religião com alguns crentes vez e outra. Discutia o que fosse com paixão, mas com arrogância, porque se tem algo que eu (e provavelmente meus irmãos) detesto nele, é a mania de sempre achar que está certo. Era machista para caramba, mas com o tempo foi melhorando _ depois que todos os filhos, eu inclusive, começaram a pintar o cabelo e usar brinco, que para ele era coisa de mulher.
Sua maior obra _ depois de mim uhsasauasuhashashsahuas, zoeira _ foi construir a casa meio terreno que temos, uma casa com um porão, térreo, um andar com duas suítes grandes e acima um terraço, com uma vista invejável do céu. Isso tudo sem muito dinheiro, porque ele economizou muito com mão de obra. Além de trabalhar como técnico em eletrônica, ele aprendeu a ser pedreiro construindo quase toda a casa sozinho.
E depois de escrever e ler tudo isso, vem o que mais me emputece: este ser humano inteligente, criativo, crítico, arrogante e teimoso, conseguiu se afundar no álcool.
Eu não entendo, sinceramente, eu não entendo.
Hoje ele tem cirrose _ que ele nega _ e dependência física do álcool, a abstinência, parece mais fácil ele morrer se parar de beber do que bebendo.
Pior que isso, ele se nega a receber tratamento. Ele diz claramente, com todas as letras: "vou beber até morrer", "não vou parar", "não quero tratamento", "não quero me internar".
Ele perdeu completamente a vontade de viver.
E não foi por falta de falar, tenham certeza. Desde que a coisa começou a piorar, há 4 anos quando ele estava meio que normal ainda, ele foi avisado, mas o teimoso não ouvia e vinha com aquelas malditas frases: "a vida é minha", "eu sei o que estou fazendo", "vocês não sabem de nada" e por aí vai.
Ele foi se perdendo dia após dia, e isso estava claro para qualquer um ver, e ele não ligava. As brigas dentro de casa foram aumentando até o ponto que o convívio passou a ser insustentável, quase brigamos, de porrada mesmo e chegou um ponto que cada um vivia trancado em seu quarto para não olharmos para a cara do outro e não sair briga.
Hoje vive-se com a angústia de sempre poder ser o último dia da vida dele, porque nunca se sabe quando ele vai cair bêbado por aí ou ter uma convulsão.
Mas o que me entristece de verdade, não é saber que fisicamente ele pode morrer, é saber que mentalmente ele já está morto. Aquele homem chato, cheio de qualidades e vontade de viver, não existe mais.
E é essa a merda que o alcoolismo faz com as pessoas, ele destrói tudo aquilo que elas construíram, um homem de sucesso, uma diretora de empresa, um adolescente promissor, um sábio idoso, qualquer um!
A beleza do álcool deixa de existir quando por um segundo, passa por nossa cabeça que nós poderemos ser os próximos, que todo o sentido de nossas vidas estará dentro de um copo e não mais na vida que nos cerca, não mais na filosofia, na música, no trabalho, nas pessoas que nos amam e que nós amamos.
O que me motivou a escrever tudo isso, foi a morte de um amigo da família, seu Gilson que morreu nesta segunda-feira (07/01/13), aos 59 anos. Era casado e deixou dois filhos. Foi sepultado terça-feira, no Cemitério Parque Gramado, em Americana.
Eu o conhecia quando trabalhava com meu pai em uma eletrônica, o seu Gilson chegava lá, já ruinzinho, e começava a perguntar o que eu queria ser quando crescer e o que eu estava fazendo para que aquele sonho se realizasse, às vezes falava de Raul Seixas, e também de filosofia e grandes autores nacionais _ isso eu tinha uns 14-15 anos.
Naquela mesma época, eles tinham outro amigo com quem eles discutiam política, cara muito gente boa, era marido de uma ex-professora de português minha, que amava Machadão (assim ela chamava Machado de Assis). Este cara também morreu em decorrência do álcool, acho que faz uns 5 anos.
Eu não quero soar moralista, nem tenho moral para pedir que as pessoas deixem de beber ou se controlem _ até porque é algo que eu preciso aprender a fazer _ mas queria dar um toque para que todos vocês que estão lendo, se questionem de vez em quando, o quanto está substância influência em suas vidas ou nas vidas das pessoas que os rodeiam. Parece bobagem ou paranóia, mas o álcool, assim como qualquer droga, vai colando em você aos poucos, e pode ser que nunca mais descole.
É isso aí o/
[Não me sinto muito a vontade em falar estas coisas, mas acho que é uma das formas que eu posso contribuir com o tema, e sei lá, deu vontade de falar sobre isso].
Links:
G1 - Habitantes do Brasil
Brasil.gov - Dependência Química
CPDOC/FGV - O AI-5
How Stuff Works - Como funciona o alcoolismo
1 Comentários
Muito bom, é assim mesmo, só muda o nome mas a desgraça é a mesma em toda familia q tem um alcoolatra, q acha q ñ o é....
ResponderExcluir